Romance | Quase uma distopia

1-O que representa, no contexto da sua obra, o livro O Bom Governo?
R-Desde a estreia lírica, em 1973, abrindo com dois Poemas em café democrata, não me esquivo a um olhar sobre a conjuntura política, mais evidente na cronística, no Teatro (2021) e em romances como A Serpente de Bronze(1989), Passos Perdidos (2014), A Terceira Margem (2021), Liliputine (2023). Já em 1980, a estreia novelesca, Várias Bulhas e Algumas Vítimas, curava de uma revolta popular no Nordeste português, e nesse espírito da novela larga redigi várias ficções, inéditas, sobre o Poder. No caso de O Bom Governo (2024), o que parece distopia – e suscita quadros insólitos e personagens afogadas em ridículo – faz-se actualidade, quando um partido único e a burocracia asfixiante de país ensimesmado conduzem ao desastre. Na solução aí proposta, traduz-se o que entendo por ‘bom governo’, segundo Goethe: «O que nos ensina a governar-nos a nós próprios.» Cidadãos, estamos longe desta autonomia, por que me bato em todas as frentes citadas.

2 -Qual a ideia que esteve na origem deste romance?
R-Um povo incauto, mal informado, sem espírito crítico, merece a sorte que tem. Indiferente ao que decidem quantos se eternizam nos órgãos executivo e legislativo, a nação resigna-se a actos eleitorais cada vez menos participados, quando se exigia intervenção regular nas estruturas mais simples da sociedade, com que se alimenta o civismo. Ora, a máquina alimenta-se a si mesma, ao devorar a distracção pública, quando não ensonada; e só o desprendimento de líderes atentos ao bem geral, que honrem o sentido originário da palavra ministro, pode conduzir àquela autonomia pessoal. Arquitectei, assim, uma cidadela política fechada e, sob boa disposição – em golpes de ironia só comparáveis aos das novelas que abrem e fecham Cruzeiro Literário (2024) –, foi sendo corroída.

3-Pensando no futuro: o que está a escrever neste momento?
R-Revejo a novela “Golpe de Estado”, premonitória em relação a movimentos recentes da extrema-direita a que as autoridades puseram cobro – temporariamente. Como, em 2026, perfaço 55 anos de um diário começado aos 14 anos e no mesmo 1971 saíram os primeiros versos, gostava de vir com aquele à luz e reunir a poesia completa. Do ensaísmo em curso, apronto nova edição de Fastigínia (2011), de um Tomé Pinheiro da Veiga mais conhecido em Espanha do que entre nós. Enfim, ultimo a revisão das crónicas (1973-2025), que pedem editor.
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Ernesto Rodrigues
O Bom Governo
Guerra e Paz  15€

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