1-Qual a ideia que esteve na origem da revisão e actualização desta sua biografia de Mário Soares?
R-Basicamente, foi o facto de se assinalar a passagem do centésimo aniversário do nascimento de Mário Soares, efeméride que, como já se antecipava, tendo em conta o relevo histórico da figura, viria a ser amplamente celebrada. Não existindo dele outra biografia com a mesma dimensão, achei que valia a pena rever o texto e acrescentar alguma informação nova, até porque a 1ª edição foi publicada quando o biografado ainda era vivo, completando-se só agora todo o seu ciclo de existência.
2-Sendo uma versão aumentada, que novos elementos sobre a vida de Mário Soares podemos encontrar neste livro?
R-Pude ler algumas passagens do diário que Soares começou a escrever na década de 1940 e que não conhecia quando escrevi a 1ª edição, citando-as agora por considerá-las muito reveladoras quanto ao seu pensamento, às suas preocupações profundas e ao planeamento do seu projeto de vida. Acrescentei ainda o relato dos seus últimos quatro anos (até ao funeral) e abundantes informações inéditas acerca da sua vida privada (faceta que não deve ser excluída de um projeto de biografia que procura fazer o retrato de corpo inteiro de determinada personalidade pública). Procedi ainda a algumas (raras) correções.
3-Agora que se assinalam os 100 anos do seu nascimento, para si, que é um profundo conhecedor de Mário Soares, qual é o seu principal legado?
R-O legado de Mário Soares pode ser avaliado tanto no plano filosófico como no plano político, embora os dois se interpenetrem. No plano filosófico, ele foi um incansável defensor da liberdade como valor inerente à espécie humana, direito que considerava inalienável e que aliás aplicou amplamente no seu percurso pessoal, algumas vezes contra tudo e contra todos (daí ser para mim essencial a referência à sua vida privada). No plano político, foi um incansável defensor de uma democracia plena, sistema para que sempre combateu mesmo nas situações mais adversas, não só antes do 25 de Abril como no processo de consolidação do nosso sistema constitucional saído da revolução, com realce para dois momentos: ao tornar-se na primeira figura pública a erguer-se contra a deriva totalitária do chamado PREC (Processo Revolucionário em Curso), com um gigantesco comício que promoveu na Alameda D. Afonso Henriques, em Lisboa, a 19 de julho de 1975 (e no qual foi o orador principal), daí decorrendo um movimento de resistência a essa mesma deriva que culminaria meses depois no 25 de Novembro, e de onde resultou a normalização democrática da nossa vida política; e ao subscrever a revisão constitucional de 1982, que extinguiu a tutela militar sobre o processo político-institucional e instaurou em Portugal, pela primeira vez na sua história, um regime plenamente representativo e democrático. Juntando esses contributos à circunstância de ter sido o partido que liderarava a vencer os dois primeiros atos eleitorais da nossa democracia, a ter chefiado o nosso primeiro governo constitucional (sendo primeiro-ministro ainda mais duas vezes e tendo a iniciativa de pedir a adesão do país à futura União Europeia, de que viria a subscrever o respetivo tratado) e a ter sido o primeiro civil eleito Presidente da República por sufrágio direto e universal (obtendo depois a confiança dos eleitores para renovar o mandato com uma percentagem de votos não alcançada por nenhum outro), pode considerar-se que o meu biografado foi a personagem que mais contribuiu para a construção do edifício democrático português. Nessa longa carreira, eu não deixo de apontar algumas imperfeições, mas, aplicando um velho truísmo, ninguém é perfeito.
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Joaquim Vieira
Mário Soares-Uma Vida
Publicações D. Quixote 39,90€
Joaquim Vieira na “Novos Livros” | Entrevistas
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