A auréola de Soares

Uma carreira política longa e
fulcral na vida de Portugal, mas também o exemplo de um homem na sua dimensão
quotidiana, as contradições, os erros, as opções – é disso que trata a
autobiografia elaborada de Mário Soares, um dinossauro vivo, ainda determinante
na análise da actualidade. Autor: um jornalista de investigação que tem semeado
trabalho em diversos meios de comunicação, em livros, na televisão. De mérito
geralmente reconhecido.
O biografado bem merece este
esforço, os interessados em conhecer melhor o seu percurso têm aqui
inventariado muito do que é necessário para acederem a um juízo sobre a
actividade desenvolvida ao longo de décadas, o seu papel na resistência ao
salazarismo, o papel moderador mas firme com o objectivo de levar as águas de
Abril ao seu moinho.
É complexa, a vida de Soares,
filho de um republicano que foi padre católico (já não em exercício quando
Mário nasceu) e filiado na Maçonaria. Uma herança, uma matriz. Até pelo meio em
que cresceu, proporcionado por um pai que conspirou pela implantação da
República, nela teve actividade institucional (foi ministro, governador civil):
uma «elite da sociedade portuguesa à época». E o biografado não enjeita o peso
da mãe na sua formação.
O menino tinha todas estas condições
e mais a sua apetência natural pela política que inundava o meio familiar. E lá
fora, nos amigos que lhe frequentavam a casa de família, surgiam oportunidades,
curiosamente pela mão de comunistas, em que Álvaro Cunhal é protagonista – ele
que era regente de estudos no colégio Moderno, propriedade do pai Soares.
Tudo isto relembra Joaquim Vieira
para marcar o caminho do biografado. Um Soares que acedeu a falar com o autor,
mesmo tendo as relações entre ambos largas manchas de atritos: «Tive no passado
uma relação conflitual com Mário Soares, por via da minha actividade
jornalística». «A forma como a questão foi resolvida é reveladora da
personalidade de Soares», escreve o biógrafo. Ou seja, acedeu plenamente a
conversar sobre a sua carreira e a sua vida, e a entrevista prolongou-se por 16
sessões.
O material publicado constitui
apenas uma parcela do material recolhido: o biógrafo questiona o biografado com
base em extensa bibliografia, que contradita e/ou reforça, para garantir a
maior fidelidade aos factos e acontecimentos – e eles são tantos, parte quase
sempre da história política portuguesa das últimas décadas… Mas há, ainda,
depoimentos e entrevistas com várias figuras de relevo, além de referências às
mais diversas personalidades nacionais e estrangeiras.
Em tempos conturbados
politicamente, quando o velho «leão» «ruge» periodicamente – ele não se limita
a andar por aí… – procurando abrir caminhos, estabelecer pontes, encontrar
alternativas para um país de novo dilacerado pelas dificuldades, a biografia de
Soares constitui uma âncora na busca das razões, do «como» chegámos ao que
somos. A referida bibliografia, mais um índice remissivo, revelam-se óptimas
ferramentas para quem quiser abordar a matéria e aprofundá-la.
Quem pretenda criticá-lo ou
elogiá-lo, há-de passar por aqui.
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Joaquim Vieira
Mário Soares, uma Vida
A Esfera dos Livros, 28,50€