As conversas de Isabel Lucas

CRÓNICA
| Rui Miguel Rocha

Na tradição (ou não, mas faz-me lembrar) da Paris Review, Isabel Lucas entrevista 17 escritoras e escritores, não com o propósito inicial de publicar em livro, mas com um excelente resultado final assim mesmo. Autores que nunca li, como Lydia Davis que refere a frase de um fotógrafo para tentar explicar onde quer chegar com a escrita “um fotógrafo que disse que tirava uma fotografia a algo para ver como esse algo ficava na fotografia.” Ou Zadie Smith, que conheço mas nunca li, e não entende o que também eu não entendo, o que será talvez normal “Há pessoas que acham que não temos direito a nada, a não ser àquilo que somos capazes de conquistar, e outras acham que temos direito a tudo. Porquê?” Sim porquê.
Escritores que já li mas que não me agarraram o pescoço de forma a quase perder os sentidos, como Rushdie “Podemos desculpar pessoas que não nos pediram desculpa e podemos recusar-nos a perdoar pessoas que nos pedem desculpa. A desculpa é em benefício da pessoa que pede perdão ou é em benefício da pessoa que perdoa?” E há quem não perdoe ser perdoado. Ou esse estranho Peter Handke que questiona “Será que houve alguma vez no mundo humano uma timidez semelhante a atual?” Logo ele, tão pouco tímido. Incompreendido ou demasiado compreendido? Acho que nunca o saberemos.
E depois algumas das minhas histórias de amor como Elena Ferrante que tem “as gavetas cheias de tentativas falhadas”; ou o grande Paul Auster que acha que “A memória das coisas desagradáveis dura mais do que a das boas” não concordando assim comigo, como se isso interessasse; e a maravilhosa Patti Smith que nem dá grandes entrevistas; acabando nos dois génios espanhóis, um de Madrid e outro de Barcelona (para mim as melhores entrevistas do livro): Javier Marías “Parece que as únicas pessoas que escrevem são as que têm traumas e desgraças; ninguém teve uma infância aceitável, já não digo feliz. No artigo, chamei-lhe ‘literatura de penas’. Está em consonância com a sociedade atual, em que toda a gente quer ser vítima de alguma coisa.” Não é por certo o caso de Javier, como não me parece ser o caso do outro génio referido, Enrique Vila-Matas que à pergunta “Teve a tentação de querer dizer tudo neste livro?” Responde “A mesma tentação que tenho de me perder sempre que regresso a casa. Como se em cada regresso houvesse a possibilidade de encontrar um caminho diferente.” Sim, será isso escrever. Será isso e também mais, claro está, como é exemplo a última entrevista do livro, aquela que desapareceu e que parece nem ter acontecido e nem isso interessa, pois  a autora encontrou Edmund White na casa da baronesa e tudo parece ter saído de um sonho, de uma novela ou de um qualquer encantamento que Isabel Lucas felizmente deixou escapar.
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Isabel Lucas
Conversas com Escritores
Companhia das Letras  18,85€

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