Bons livros, boas leituras

Carlos Alberto Machado é editor da Companhia das Ilhas e autor de vários livros de ficção, poesia e teatro. Os seus dois últimos livros foram editados em 2012: “Uma Viagem Romântica a Moscovo” (poesia) e “Estórias Açorianas” (contos). As suas escolhas foram:
1.
Câmara Escura. Uma Antologia, de Inês Lourenço
Dialogo com facilidade e gosto com a poesia de Inês
Lourenço, coisa que acontece com outros poetas (poucos). Como a analítica não é
meu ofício nem dever, fico-me pela adesão intelectual e afectiva (na medida em
que posso distinguir uma da outra), pelo gosto que valorizo segundo as minhas
idiossincrasias e humores. Esta antologia (selecção do Manuel de Freitas),
embora breve (30 poemas) cobre o período 1980-2010 e é também por isso um livro
precioso para quem gosta da poesia da autora de Logros Consentidos. «A minha
infância / cheira a soalho esfregado a piaçaba / aos chocolates do meu pai aos
Domingos / à camisa de noite de flanela / da minha mãe»: um programa poético.
2.
Caderno de Milfontes, de Rui Almeida
A permanência na estância balnear (cujo nome e história
recente evocam em nós mais que um simples tempo de férias à beira-mar),
oferece-se-nos o detalhe, num jogo de relações que o poeta talvez pressinta, de
um outro real, ou o mesmo visto com órgãos que não habitam na matéria do corpo
vulgar: “o quase silêncio / Da ondulação”, “A cadência do mar / Amplia o golpe
na sombra, / Sobreleva o reflexo.” “Assim, aqui / Onde nada repete outro tempo,
/ O sopro amplia a permanência / Do mais compacto gesto.” O poeta instaura um
lugar físico e um tempo outros, de uma qualidade inexistente, de uma
sem-espessura: “Agora é o tempo todo desde sempre”.
3.
Autismo, de Valério Romão (ilustrações de Alex
Gozblau)
Autismo é um perturbante romance de Valério Romão. O autismo
de uma criança faz deflagrar uma violência – relacional, comportamental – numa
família (com referências reais) e o romance tece-se numa estrutura que procura
dar (-nos) conta dessa violência e do que ela arrasta, procurando evitar,
contudo, que o leitor não seja de todo submergido na teia de morte que
atravessa a narrativa, tanto mais forte quando muitos dos leitores sabem (ou
adivinham) que por detrás da literatura medra (ainda?) a poderosa teia do
sofrimento e da culpa. Autismo é o primeiro volume de uma anunciada trilogia:
Paternidades falhadas.
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Inês Lourenço, Câmara Escura. Uma Antologia (Língua Morta, 9€)
Rui Almeida, Caderno de Milfontes (volta d’mar, 5€)
Valério Romão, Autismo (Abysmo, 18€)