Carlos Campaniço: “Este livro é também um espaço de experimentação criativa”
1-O que representa no contexto da sua obra literária o livro A Cinco Palmos dos Olhos?
R-Este romance tem alguma relevância para mim porque fecha um ciclo de seis livros onde a acção se passa no Alentejo rural de outrora. Quis explorar, e ao mesmo tempo dar a conhecer, a vida do povo rural alentejano, da sua sobrevivência diária, da fome e opressão sobre os campesinos, da luta de classes, do papel imprescindível e pouco abordado das mulheres na sociedade masculina de então, do sofrimento das crianças, do imaginário colectivo dos pequenos povos, da intensa relação de vizinhança, do mexerico, do amor e do ódio. Quis escrever sobre a sociedade remota de que sou herdeiro, mas acabei a escrever sobre a condição humana, a universalidade dos sentimentos, das fraquezas e superações humanas. A Cinco Palmos dos Olhos contém todos esses ingredientes com a novidade de nos trazer até à sociedade actual, onde o mundo rural sofre agora de outros problemas, sendo a desertificação e o abandono o mais visível. Por outro lado, este livro é também um espaço de experimentação criativa, porquanto tentei inovar na estrutura da obra e na narração. Creio ter conseguido, aqui, algumas das minhas mais extraordinárias personagens que algum dia criei, tanto na sua profundidade psicológica como nas suas contradições humanas. O comportamento e o pensamento das personagens não são iguais ao longo da trama, ao invés, são moldados pelos acontecimentos da vida quotidiana. Por exemplo, uma determinada personagem é aparente e inicialmente um bom rapaz (personagem que nos cativa desde logo), mas ao longo do texto começamos a perceber que não é bem assim. No fim, será das que nos transmite um sentimento de repulsa. Acho que esta personagem nos faz pensar sobremaneira. Não há as personagens boas e as más. Há uma plasticidade do seu carácter aos tempos.
2-Qual a ideia que esteve na origem do livro?
R-A história inicial deste livro começa nos pós-25 de Abril, no fim da Guerra do Ultramar, no período da Reforma Agrária. Pretendi explorar, essencialmente, os sentimentos do medo e da euforia colectiva (inicialmente) e depois um período onde ainda coabitam a esperança e a alegria dos novos tempos com o desânimo por não se estarem a cumprir os ideais revolucionários. Num período tão rico emocionalmente, o autor tentou escrever como se acompanhasse várias personagens ao mesmo tempo, como se tivesse várias câmaras, e vai dando a versão de cada uma sobre os acontecimentos. Conquanto haja personagens que se destacam, não há nesta história um protagonista, um herói. A personagem principal é a própria aldeia e o seu devir. Os acontecimentos históricos, tão relevantes, são secundarizados pela vida diária e efervescente das personagens.
3-Pensando no futuro: o que está a escrever neste momento?
R-Tenho um livro já terminado que tem um tema bem diferente. Uma história urbana. dificilmente voltarei aos chãos do Alentejo, mas o que me interesse explorar, como até aqui, é a condição humana. E, nesse prisma, irei continuar a olhar para a sociedade e as suas desigualdades, para o sofrimento dos mais fracos, para as minorias, para que o leitor se possa pôr “nos sapatos dessas personagens”. Talvez nos possamos conhecer melhor, se melhor compreendermos o outro.
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Carlos Campaniço
A Cinco Palmos dos Olhos
Casa das Letras 21,90€
Carlos Campaniço na “Novos Livros” | Entrevistas

