Carlos Fiolhais e David Marçal: “A ciência não depende da palavra de gurus, mas sim de provas”
P-Qual a ideia que esteve na origem deste vosso livro “Pipocas com Telemóvel e outras histórias de falsa ciência”?
R-A ideia foi falar de falsa ciência. Discutir ideias, produtos e serviços que dizem basear-se no conhecimento científico, não sendo isso verdade. A ciência tem credibilidade e muita gente usa-a para vender banha da cobra. As estratégias mais comuns da falsa ciência são as figuras de autoridade e a linguagem aparentemente científica. Ou seja, alguém que se apresenta como uma pessoa muito importante e sábia e que usa palavras do léxico científico, como “quântica”, “campos”, “energia”, etc. Só que essas são no contexto palavras vazias, sem qualquer significado, ditas só para impressionar. E a ciência não depende da palavra de gurus, mas sim de provas. No nosso livro falamos de ciência: não se pode dizer que algo não é ciência sem discutirmos as características da ciência.
P-O livro vai já na sua 9ª edição: a que se deve este tão grande êxito editorial?
R-Provavelmente porque escolhemos exemplos próximos do quotidiano das pessoas. Falamos de falsa ciência na internet, no supermercado, nos jornais, na saúde e até mesmo nas universidades (caso das fraudes científicas). E também porque tentamos ter alguma graça. Nós pelo menos achamos piada a algumas coisas que escrevemos, embora não saibamos se a maioria dos leitores concorda!
P-O estilo e a abordagem de contadores de histórias que utilizam pode ser uma das razões para o sucesso dos vossos livros?
R-O livro é um conjunto de histórias encadeadas, mas cada uma delas tem uma certa autonomia. Nessas histórias fazemos ligações a muitas coisas para além da ciência. Isso torna a leitura do livro fácil. Por exemplo, pode-se ler numa ordem diferente daquela que resulta da sucessão de páginas, consoante os temas que mais interessam ao leitor.
P-Na era das poluídas redes sociais, que espaço pode a ciência reivindicar junto dos leitores jovens (e menos jovens)?
R-O espaço próprio dos livros, que é do pensamento aprofundado, não é possível noutros meios como as redes sociais. Certamente que um livro não chega a tanta gente como um vídeo viral de 30 segundos, mas o seu impacto em quem o lê é certamente superior. Seria desejável que o número de leitores, do nosso e de outros livros, fosse maior. Há que promover a leitura, procurando chegar a mais gente..
P-Pergunta prática: como podemos proteger-nos da falsa ciência que se propaga pela Internet (e não só nas redes sociais)?
R-A resposta é simples de enunciar: tendo mais cultura científica. Sabendo distinguir melhor a ciência da falsa ciência. E isso significa saber o que é a ciência: como acrescentamos novo conhecimento ao que já temos. Claro que promover a cultura científica é um grande desafio. Mas tal não é razão para desistirmos!
P-Nos dias de hoje, o interesse pela ciência estará a crescer?
R-O interesse pela ciência existe. Todos os grandes desafios do nosso tempo precisam da ciência. Desde o combate às alterações climáticas até à compreensão do fenómeno das redes sociais. Para vivermos mais e melhor precisamos de ciência e tecnologia. A curiosidade é uma característica humana que decerto continuará a manifestar-se. Cada resposta que obtemos levanta novas perguntas! [Fotografia de David Marçal: Rui Gaudêncio]
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Carlos Fiolhais/David Marçal
Pipocas com Telemóvel e Outras Histórias de Falsa Ciência
Gradiva 16,50€