Christopher L. Jones: “Mas, para além da beleza, estão as pessoas”

Christopher L. Jones, um viajante da Nova Zelândia a viver em Portugal há já alguns anos decide falar dos “Tugas” com um olhar diferente e muita perspicácia.
A realidade portuguesa, a nossa história, os comportamentos e muito mais.
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P-Qual foi a ideia que esteve na origem do seu novo livro Conheça os Tugas?
R-Havia menos de meio milhão de estrangeiros a viver em Portugal quando cheguei em 2018; hoje, são quase 1,5 milhões. Um número extraordinário de pessoas a chegar em tão pouco tempo, todas a descobrir o país ao mesmo tempo. E, no entanto, foram recebidos por muito poucos – quase nenhuns – livros em língua inglesa sobre o país e a sua história. Havia apenas um pequeno punhado, incluindo um relato incrivelmente detalhado sobre os portugueses, que encontrei num alfarrabista em Lagos, mas que estava esgotado há quarenta anos. Havia muitos nichos a preencher no país quando cheguei, muitas oportunidades a aproveitar, e esta foi uma delas. Além disso, deu-me uma boa desculpa para viajar pelo país em detalhe, com “Estou a escrever um livro sobre a sua história” a ser como uma chave para o que, de outra forma, poderiam ter sido portas trancadas.

P-Como é que Portugal e os Tugas entraram na sua vida?
R-Inicialmente, entraram apenas de forma muito vaga. O primeiro português que conheci na minha vida foi na sala de fumadores de um mochileiro em Buenos Aires, em 2009. Três anos depois, visitei o país como complemento a uma viagem pelo Médio Oriente, onde eu, usando um porta-pratos e a minha namorada de burka, fugimos intencionalmente dos locais mais conhecidos. O facto de Portugal ter sido incluído pode ter tido, verdade seja dita, algo a ver com a comodidade dos voos da Nova Zelândia para esta zona do mundo, com um orçamento limitado. Mas também com o facto de Portugal (para um neozelandês, em 2012) estar muito longe da estrada mais percorrida. Regressei brevemente em 2016 para trabalhar em nome de uma empresa para a qual trabalhava no Reino Unido. Nada resultou, embora tenha plantado uma semente de curiosidade. Uma que cultivei quando, numa viagem de quatro meses a escrever um livro sobre a Ásia Central (Cazaquistão, Turquemenistão, Tajiquistão, Quirguistão e Uzbequistão), fiz uma escapadela muito necessária da capital gélida do Quirguistão para uma Lisboa soalheira. Onde, sentado nos degraus de calçada de um restaurante do Chiado, serenatada por um homem e pela sua guitarra espanhola, com as luzes das velas a ondular contra os edifícios de pedra centenários, decidi que isto era bastante atraente.

P-Durante a sua viagem a Portugal e agora que já conhece bem as pessoas, o que mais o surpreendeu (ou ainda surpreende)?
R-Penso que a maior surpresa foi o quão distintas são as regiões. Simplesmente não houve tempo suficiente na Nova Zelândia, o país de onde sou natural, para estabelecer diferenças profundas entre as diferentes áreas. Enquanto quase mil anos fizeram um bom trabalho ao dividir Portugal. Existem muitas sub-regiões em Portugal (25 para ser exacto), mas na minha mente são cinco. Açores, Madeira, Norte, Lisboa e arredores, e Sul. E a região com que mais me identifico é o Norte. Algumas pessoas, principalmente as de Lisboa, preferem a paisagem amarela e plana do Alentejo. Também gosto do Alentejo, com as suas colinas marcadas por castelos com vista para campos ondulantes. Sobretudo na primavera e no outono. Mas prefiro o verde escuro do norte. As suas montanhas, o Douro, a variedade mais selvagem e profunda da paisagem em geral – o Parque Nacional do Gerês é um exemplo particular. E as aldeias e as cidades também. Viana do Castelo, Ponte de Lima, Arco de Valdevez, Monção, Guimarães vêm-me à cabeça, e o meu verdadeiro amor é o Porto. Mas, para além da beleza, estão as pessoas. Trabalhadoras e sofisticadas, e não tendo sido saturadas por estrangeiros, não deixam de se interessar por elas.

P- Escolheu viver em Lisboa: consegue imaginar-se a viver com a sua família noutra cidade portuguesa?
R-Sim, facilmente. Poderia facilmente viver no Porto. Adoro aquela cidade. Adoro a sua arquitetura, que parece mais orgânica do que a de Lisboa. Como estagamitas, produzidas por mil anos de história acumulada. Também ajuda o facto de, ao contrário de Lisboa, os seus edifícios serem concebidos de forma a que o rés-do-chão seja invariavelmente uma loja, criando ruas com mais agitação, mais comércio e mais indústria. E uma indústria que deve crescer a partir das suas pessoas e, ao mesmo tempo, alimentar-se delas. Um povo que, em vez de se queixar dos seus problemas, parece entrar em acção e resolvê-los. Infelizmente, claro, o tempo é decepcionante. Não só o cinzento que eu aguentava, mas também a chuva. Colocando-a como uma das cidades mais chuvosas da Península Ibérica. Há momentos, porém, em que as ruas de Lisboa se enchem de tuk-tuks e os meus e-mails ficam sem resposta, em que tenho saudades do Porto.

P-Consegue identificar algum comportamento português que já tenha adotado?
R-Terminar uma refeição com um expresso. E acelerar.

P-Aqui, enquanto ninguém está a ouvir, diga-nos: o que pensa realmente dos portugueses?
R-Acho os portugueses gentis e amáveis, e também reservados. E, por vezes, pergunto-me se essa reserva provém de séculos de pressão sobre eles, seja dos castelhanos, dos franceses, da realeza ou do Estado Novo. Acho isso uma pena. Esconde uma complexidade que se faz sentir, entre outros lugares, na grandiosidade e no detalhe da arquitetura, ou na escrita.
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Christopher L. Jones
Conheça os Tugas
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