Estevão Azevedo | Tempo de Espalhar Pedras


1-O que representa, no contexto da sua obra, o livro «Tempo
de Espalhar Pedras»?
R- O romance representa um novo patamar no contexto da minha
obra por fatores literários, isto é, interiores ao texto, e extraliterários, mais
relacionados ao mercado do que à obra em si. Primeiro, os propriamente
literários. Esse romance é o meu primeiro narrado em terceira pessoa, o que
representa uma série de novos problemas, mais distantes do subjetivismo no qual
eu navegara até então. Soma-se a isso o fato de, ao contrário da imensa maioria
de meus textos anteriores, a matéria de que tratei não estar relacionada à
minha trajetória pessoal. Eu não sabia nada de garimpo de diamantes e muito
pouco do lugar e do tempo em que a trama ocorreria. Por conta desse
distanciamento, foi preciso emular uma linguagem específica, que se dá a ver na
sintaxe, na escolha dos vocábulos, no ethos. Tive de me servir de muitas
fontes, das mais variadas. Telenovelas da minha infância, romances
regionalistas, músicas, filmes, certa memória de família… Do ponto de vista
da carreira, o romance foi um salto decisivo: a recepção da crítica,
simbolizada pela eleição como livro do ano pelo Prêmio São Paulo de Literatura,
fez com que eu vencesse o maior dos desafios: conquistar pelo menos alguns
leitores num país onde praticamente não se lê.
2-Qual a ideia que esteve na origem deste livro?
R- O livro nasceu do encontro de duas ideias. A primeira, um
relato feito por um guia de trilhas durante uma viagem por uma região de
natureza exuberante conhecida como Chapada Diamantina, no interior do estado da
Bahia. Disse ele que havia nas imediações um vilarejo erguido por garimpeiros
de diamantes. Depois de um período de pujança, as pedras escassearam. Foi então
que os homens se deram conta de que o único lugar em que ainda poderia haver
diamantes era exatamente onde estava o vilarejo. Começaram, então, a garimpar
nas praças, nas ruas, nas casas, até a destruição total. Esse relato nunca me
saiu da memória, pois me pareceu uma alegoria muito poderosa da cobiça. Anos
mais tarde, surgiu a segunda ideia que está na gênese de “Tempo de espalhar
pedras”. Meu primeiro romance, “Nunca o nome do menino”, tinha ambientação
urbana e contemporânea e personagens cultos, do universo letrado, como artistas
e escritores. Por conta disso, após a publicação, eu me impus o desafio de
escrever algo que se passasse em tempo e lugar distintos dos de minha
experiência. Foi então que o relato do vilarejo destruído pelo garimpo
ressurgiu: era a moldura de que eu precisava para o romance que pretendia
escrever.
3-Esta é a sua primeira obra editada em Portugal: que
expectativas tem sobre a recepção dos leitores portugueses?
R-Eu estou muito ansioso pela chegada do livro a Portugal porque imagino (como
leitor de autores de países que falam português, vivo isso) que possa causar ao
mesmo tempo estranhamento e familiaridade. É a mesma língua, mas também muito
diferente. Lermos os livros uns dos outros – brasileiros e portugueses e
lusófonos – talvez seja o equivalente a encontrar um irmão gêmeo do qual fomos
separados ao nascer. Uma identificação extrema e imediata pela semelhança
aparente e um enorme estranhamento pelas diferenças profundas.
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Estevão Azevedo
Tempo de Espalhar Pedras
Cotovia