Fernando Machado Silva: “Os poemas que escrevo são resoluções de problemas, por assim dizer”

1-O que representa no contexto da sua obra literária o livro O silêncio num campo cantado pelo vento?
R-Antes de mais, agradeço esta entrevista. Muito sinceramente, é-me difícil pensar no que tenho vindo a escrever como uma obra literária. É certo que editei quase uma dezena de livros, todos eles de poesia à excepção de um, que reúne dois contos, ou noveletas, portanto, todos tidos como expressões literárias, ou passíveis de se incluírem no campo da literatura. Leitores atentos – que escreveram posfácios a alguns dos meus livros – fizeram já notar a intrínseca ligação entre a minha escrita e a minha vida, a sua presença. Ressalvo: a escrita suporta-se em momentos biográficos apenas para dar um enquadramento e balança-se num jogo entre o pessoal (que se confunde com o eu poético) e outra coisa que ainda não é bem o impessoal, ou alguma coisa passível de ser lida para além pessoal e biográfico, uma voz qualquer que exprime uma vida. O Silêncio num campo cantado pelo vento representa o culminar do trabalho de depuramento para chegar a esse ponto de equilíbrio, que está longe de ser tocado, se alguma vez o tocarei.
2-Qual a ideia que esteve na origem do livro?
R-Na origem deste e de todos os outros livros que escrevi nunca houve qualquer ideia prévia. Eu escrevo à medida que vivo, que experiencio a vida e as apropriações que a tornam minha vida. Os poemas que escrevo são resoluções de problemas, por assim dizer, são o que a vida enquanto a experiencio me coloca como tal para pensar, encontrando uma expressão que força ser escrita. E em muita verdade, escrevo enquanto caminho – o caminhar solitário, enquanto passeava as minhas cadelas, libertavam do ruído mental linhas que viriam a ser poemas – e só mais tarde trabalho o poema. A origem deste livro encontra o seu cerne, assim, no problema de uma década enquanto exílio, ou da vida vivida/experienciada enquanto exílio, assim o li quando o tom geral se exauriu. Não foi pensado para ser assim, teve simplesmente o seu tempo. Os poemas vieram à escrita, caminhando e à medida que o problema de sentir um exílio raspava o meu pensamento e pedia para ser expresso. Por outro lado, como influência, existe a força do inverno e como me conduz a uma depressão sazonal, infelizmente a cada vez mais funda.
3-Pensando no futuro: o que está a escrever neste momento?
R-Pensando no futuro diria como os punks dos anos setenta: não há futuro. Tenho, todavia, dois filhos e o futuro surge como uma hipótese de que a minha vida seja um exemplo para eles. Há, desta forma, um novo problema e muito estóico: o que é uma vida como exemplo? Como viver uma vida, num tempo em que o futuro é somente uma fragilíssima hipótese, de forma que os meus filhos – pelo menos esses – a vejam como exemplo, possibilidade de um ponto de partida para uma vida a ser vivida também imbuída pelo espírito de se ser exemplo – toda uma vida é exemplar. um exemplar de vida, mas ser-se exemplo é bem outra coisa. Os poemas têm-se rarificado – com a morte das minhas cadelas as caminhadas solitárias na sua companhia cessaram e, com essa morte, a poesia vivida a passo e com o seu ritmo também – e a prosa tem-se intensificado. Tenho algumas coisas no baú digital – assim como assim sou pessoa e sou fernando – que serão escritas no seu tempo (ou não). Não gosto e evito falar do que escrevo ou estou a escrever porque, infelizmente, saboto-me e perco o interesse – disso está o baú farto. Continuarei a escrever a minha vida enquanto for vivendo e tentarei deixar qualquer coisa aos meus filhos para que leiam, para que me conheçam.
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Fernando Machado Silva
O silêncio num campo cantado pelo vento
Companhia das Ilhas 16,50€

