Gabriela Relvas: “Talvez daí o humor muito negro, a mascarar tanta coisa.”
1-O que representa, no contexto da sua obra literária, o romance “A Confissão da Defunta”?
R-Representa a minha afirmação como escritora, além de outras tantas coisas, claro. Mas com os três livros anteriores ainda me parecia faltar uma peça no puzzle para que o pudesse dizer à boca grande. E não sinto de todo que seja presunção da minha parte. Isto de escrever mexe-nos nas artérias, e é fácil ficar sem oxigénio, porque é um trabalho muito minucioso, que vem do coração. A Confissão da Defunta foi o livro que acabei mais rápido, mas que demorei mais horas a escrever. Aqui, tive uma determinação diferente, quase como se só fosse possível gostar de mim assim que o terminasse — escrevi-o numa fase difícil. Parece demasiado trágico, tendo em conta as tragédias sérias do mundo, mas não minto, foi assim que foi. Dei-me a esse egoísmo para me tornar uma pessoa melhor. Talvez daí exista um Purgatório dentro deste livro. Talvez daí o humor muito negro, a mascarar tanta coisa. Mas eu diria que este livro representa a minha superação. Quem sabe, tenha também enterrado um defunto que me assombrava.
2-Qual a ideia que esteve na origem deste livro?
R-Vem essencialmente da pergunta, estarei a aproveitar a minha vida? Que estamos nós, humanos, aqui a fazer? E ponho uma Defunta a contar os seus “pecados” num Purgatório com uma liberdade insana, porque só morta teve capacidades sérias para se ver. Para ver os seus monstros. Há uma grande perversidade nisto tudo ao mesmo tempo. Característica fundamental de todos os humanos. Como é que sendo naturalmente perversos, podemos não pecar? Não podemos. Somos amantes, somos mentirosos, somos escritores que matam com canetas ou portáteis (amarelos), e somos homens que matam com os seus canhões marchar-marchar, e, por isso há palestinianos a chegar ao Purgatório sem cabeça, olhos, pernas, por isso não páram de chegar. Resta-nos um grande exercício de autoconsciência, também coletiva, para vermos os nossos monstros e sermos perversos, mas menos monstros. E, menos burros também.
3-Pensando no futuro: o que está a escrever neste momento?
R-Estou a escrever, mas é segredo. Segredo até para mim, que escrevo sem saber o que vem a seguir, para não perder a satisfação e a surpresa. Preciso fintar-me. Só assim vou continuar a ter desejo por isto (oh!, sinto que já revelei um segredo).
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Gabriela
A Confissão da Defunta
Minotauro 15,90€