Margarida Gaspar de Matos: Adolescentes de hoje e de amanhã

1-Qual a ideia que esteve na origem deste seu livro «Adolescentes: as suas Vidas, o seu Futuro»?
R- A ideia foi disponibilizar um livro de divulgação para a população em geral, em especial para pais, educadores e profissionais de saúde com contato com adolescentes. Um livro de fácil leitura , mas pensado a partir de estudos recentes nomeada mente do estudo dos comportamentos de saúde nos adolescentes (HBSC , em www.hbsc.org ) que fazemos em Portugal desde 1998 , e fizemos em 2018 pela sexta vez. Com base nestes seis estudos e na evolução dos comportamentos e da sociedade, e ainda na experiência acumulada da equipa Aventura Social com adolescentes e famílias (www.aventurasocial.com), apresento um elenco de questões e pistas para reflexão que podem facilitar e mesmo tornar muito agradável o convívio com os adolescentes, neste período das suas vidas e mesmo apoia-los neste processo, dando ao mesmo tempo espaço, afeto, monitorização e regras.

2-Que retrato é possível fazer hoje dos adolescentes portugueses?
R- Nos últimos 22 anos os pais dos adolescentes tornaram-se mais escolarizados e mais digitais. Passou-se do conflito de gerações baseado em conceitos como a “abertura dos mais novos” e o “tradicionalismos dos mais velhos”,  onde os grandes problemas eram a divergência quanto ao estilo de vida (saídas com os amigos, consumo de substâncias, namoros) ,  para um outros tipos de conflito centrados  no uso e abuso das tecnologias de informação e comunicação e na gestão do espaço e tampo “ lá em casa”. Os pais de “antes” ( os pais dos pais atuais e os anteriores) baseavam muito as regras lá em casa na “tradição” e no controlo social e os adolescentes achavam-nos “ fechados e autoritários”. Os pais atuais, muito mais informados centram muito a sua ação com os filhos nos seus próprios conhecimentos, mas com isso por vezes parece quererem protege-los de “ todos os riscos”. Isto aos adolescentes já não aparece como “ fecho e autoritarismo”, mas aparece muitas vezes como “pouca autonomia e excesso de monitorização que eles entendem como excesso de controlo”: reagem por vezes com tensão a essa “ intromissão” e muitos aproveitam para se desresponsabilizar, não se interessando nem colaborando na “vida lá em casa”. Se compararmos os dados do nosso estudo entre 1998 e 2018, os adolescentes estão cada vez mais saudáveis, em Portugal e por toda a Europa, mesmo se a recente recessão os tenha abalado na sua confiança no futuro e na sua perceção de bem-estar. Os desafios para os adolescentes e suas famílias vão evoluindo em paralelo aos desafios e mudanças sociais. Recentemente estávamos a braços com o eventual possível excesso de tempo de ecrã… e ainda mais recentemente enfrentámos a COVID, no livro reflito já sobre esse tempo e o seu impacto na vida dos adolescentes e das suas famílias.

3-Os sinais de mudança e transformação podemos desde já identificar nos adolescentes portugueses são semelhantes aos de outros países, numa lógica de globalização de comportamentos, hábitos, ideias e expectativas quanto ao futuro?
R- A grande mudança dos últimos anos, com o aparecimento de instrumentos integrados de acesso à internet (smartphones) foi a relação simbiótica e invasiva dos adolescentes com os ecrãs. E um grande desafio que tem de ser gerido com muita atenção. O mais recente associado à vivência da pandemia… ainda estamos a vive-lo em tempo real embora estejamos já a refletir sobre o impacto que terá a medio e longo prazo sobre a vida das famílias e dos adolescentes: vida familiar, escolar, socialização, saúde mental e física. Entre 1998 e 2018 (o primeiro e ultimo estudo HBSC realizado) , os adolescentes portugueses estavam em geral na média europeia, com uma exceção pela positiva relacionada com a alimentação (toma de pequeno almoço, refeições em família, consumo de fruta , embora não tanto de legumes), e relacionada com a família (em geral reportando maior proximidade, quase no limite da excessiva falta de autonomia…). Pela negativa temos os fraquíssimos hábitos de atividade física , nomeadamente no género feminino , e isto mesmo Antes da pandemia. Por outro lado a terrível relação com a escola , este desamor associado a  pressão, e a perceção de inferioridade. Este indicador põe os adolescentes portugueses na cauda da Europa desde 1998 e a trajetória ate 2018 era no sentido do agravamento da situação. Os adolescentes gostam da escola enquanto espaço de socialização, os recreios e o convívio (espaço este que agora com a pandemia perderam enquanto espaço de socialização) , mas não gostam das aulas que consideram com excessiva matéria, com matérias desinteressantes e desatualizadas, criticam ainda um excesso de pressão e de foco nas notas . Criticam ainda a qualidade da alimentação fornecida nas escolas, que consideram confecionada a partir de alimentos saudáveis mas intragável. Estes são dados de 2018. Neste momento com a pandemia esperamos alguma incerteza e inquietação que se pode traduzir em perturbações da saúde mental a médio e longo prazo e já temos estudos sobre isso. Embora alguns refiram que a  pandemia tenha vindo a facilitar uma autonomização e responsabilidade individuais.
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Margarida Gaspar de Matos
Adolescentes: as suas Vidas, o seu Futuro
FFMS Fundação Francisco Manuel dos Santos  3,50€/5€ (capa dura)

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