Nuno Ribeiro: “Uma tradição sem precedentes em filosofia”

1-Qual a ideia que esteve na origem desta obra Fernando Pessoa e a Filosofia em Portugal?
R-O livro Fernando Pessoa e a Filosofia em Portugal (coordenado por Maria Celeste Natário, Paulo Borges e Nuno Ribeiro) nasceu da evidência de que uma das linhas principais de reflexão portuguesa na viragem do século XX para o século XXI corresponde à revalorização filosófica da escrita poético-literária de Fernando Pessoa. Ao longo da obra de Pessoa existem múltiplas referências a conceitos e autores da tradição filosófica, que se constituem como indícios do interesse do poeta e pensador português pela filosofia. Encontramos um claro exemplo disso no poema «Tabacaria» atribuído por Pessoa ao seu heterónimo Álvaro de Campos, onde se pode ler «Tenho feito filosofias em segredo que nenhum Kant escreveu», ou ainda num poema V de O Guardador de Rebanhos do heterónimo Alberto Caeiro que tem por título «Há metafísica bastante em não pensar em nada». Estas e outras evidências constituem-se como a base para a reflexão filosófica por parte de autores portugueses como Agostinho da Silva, José Marinho, Eduardo Lourenço, José Gil, Paulo Borges, entre outros, que partiram da análise de Fernando Pessoa como motivo de reflexão filosófica, inclusivamente para construir o seu próprio pensamento filosófico. Deste modo, elucidar a relação entre Fernando Pessoa e o pensamento filosófico em Portugal implica também esclarecer de que modo os múltiplos autores filosóficos portugueses se reapropriam da obra do poeta e pensador português para criar a sua própria filosofia.

2-Como escolheram os nove artigos que reuniram no livro?
R-Os nove artigos reunidos neste livro são norteados por três linhas fundamentais. A primeira linha corresponde à elucidação de quais os pensadores portugueses que reflectiram filosoficamente sobre o universo literário de Pessoa.  A segunda linha diz respeito à relação entre Fernando Pessoa e a tradição filosófico-literária em Portugal, que o precede e com a qual o escritor português dialoga. A terceira linha refere-se à tentativa de revalorização filosófica da obra de Pessoa, o que é evidenciado pela presença de textos filosóficos nos escritos póstumos do espólio pessoano. Deste modo, o livro Fernando Pessoa e a Filosofia em Portugal pretende ser um contributo para restituir a obra de Pessoa ao domínio da filosofia.

3-Existem abordagens inovadoras na interpretação e valorização de Fernando Pessoa no contexto da filosofia portuguesa?
R-Ao longo da tradição interpretativa de Fernando Pessoa no contexto da filosofia portuguesa encontramos abordagens que inauguram em Portugal todo um campo de reflexão inovador, nomeadamente no que diz respeito ao conceito de «heterónimo» que entra na filosofia por via das múltiplas interpretações que os filósofos portugueses realizam deste conceito e pelas inúmeras temáticas que esse conceito convoca, como é o caso do «eu como ficção» na interpretação de Eduardo Lourenço, da «metafísica das sensações» como motor da génese da heteronímia na análise de José Gil ou ainda a questão do sujeito como nada ou vacuidade na leitura filosófica de Paulo Borges.  Podemos afirmar que a análise filosófica do conceito de «heterónimo» inaugura em Portugal uma tradição sem precedentes em filosofia.
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Maria Celeste Natário/Nuno Ribeiro/Paulo Borges (coord.)
Fernando Pessoa e a Filosofia em Portugal
U.Porto Press  15€

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