Teresa Nogueira Pinto: “A possibilidade de contraditório é uma condição necessária para a liberdade.”

1-Qual a ideia que esteve na origem deste vosso livro Woke fizemos? Anatomia de um Totalitarismo Suave?
R-A ideia surgiu de duas constatações. A primeira, a de que as guerras culturais assumem um peso cada vez maior no debate e no combate político. Isso ficou evidente, por exemplo, nas eleições presidenciais americanas. Depois, a constatação de que o “wokismo” é um conceito essencialmente contestável. Para alguns não existe, para outros é uma forma necessária de “justiça social”, e para outros é um fator de corrosão da liberdade. Pareceu-nos, neste contexto, que seria interessante, para lá das discussões mais superficiais, abordar com alguma profundidade o tema, tentando mapear as suas origens, identificar de que modo se materializa, e o modo como se tem disseminado nos vários espaços que definem a nossa vida comum.

2-O livro percorre várias áreas do nosso quotidiano em que o wokismo está presente: família, desporto, política, redes sociais, historiografia, jornalismo, entre vários outros. De que forma o wokismo deixou de ser “apenas” uma moda que teve a sua origem em universidades e passou a ser uma realidade social com efeitos complicados nas nossas vidas, nos nossos  comportamentos e no nosso futuro colectivo?
R-Em defesa do wokismo (e também para nos sabermos defender dele) é preciso reconhecer duas coisas. A primeira, a de que, em alguns casos, o wokismo tem na sua origem preocupações muito legítimas. A segunda, a de que é sustentado por um corpo filosófico sólido, incluindo pensadores como Sartre, Foucault, Derrida, Marcuse ou Gramsci. No entanto, a aplicação destas lentes, que os seus atuais proponentes descreverão como “justiça social”, ao mundo real, desemboca numa série de contradições, e em formas graves de limitação da liberdade. Isso torna-se visível quando constatamos a omnipresença do wokismo, que há muito deixou de ser um fenómeno exclusivo de alguns departamentos universitários. Curiosamente, a expansão do wokismo a espaços como as empresas, o direito, os media, ou o cinema, acaba por expor os seus excessos e absurdos ao escrutínio do senso comum, enfraquecendo-o.

3-Existe em sectores da sociedade um ambiente de ódio latente (e, por vezes, nada recatado) em que pessoas e organizações estão a sentir na pele vários ataques à sua liberdade de expressão: como combater esta realidade que designam de “totalitarismo suave”?
R-O wokismo reivindica-se como única forma de interpretação “justa” ou “decente” do mundo, não admitindo contraditório. Mas a possibilidade de contraditório é uma condição necessária para a liberdade. Por outro lado, a lógica do wokismo, assente num determinismo que opõe sempre opressores a oprimidos de acordo com as lógicas da interseccionalidade, é uma lógica de luta e tensão constante, determinada não pelo que fazemos ou dizemos, mas pela nossa identidade. Isto é naturalmente incompatível com os princípios da democracia liberal. Resistir a esta forma suave de totalitarismo implica antes de mais compreender os princípios em que ela assenta. E também exige a coragem de, em cada espaço, desafiar os seus dogmas, os seus absurdos e abusos.
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Teresa Nogueira Pinto/Miguel Corte-Real (Coord.)
Woke fizemos? Anatomia de um Totalitarismo Suave
Oficina do Livro  21,10€

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