U.S.E.R.: Como desligar os ecrãs e as redes sociais para preservar a saúde mental?
Os ecrãs e as redes sociais estão a transformar as nossas vidas, as nossas relações, os nossos comportamentos. E os resultados começam a ser preocupantes: “Quando utilizados de forma excessiva ou problemática, os os ecrãs e as redes sociais podem, sim, por em risco a nossa saúde mental” defendem as autoras deste livro. Não sendo exequível nem desejável a proibição, existirão alternativas. A recomendação mais importante é, talvez, a mais óbvia: “Diminuir o tempo desligados conecta-nos a outros lados nossos (e dos outros) que nos deixarão mais protegidos, preparados e capazes de utilizar de forma positiva o mundo virtual.”.
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P-Qual a ideia que esteve na origem deste vosso novo livro «U.S.E.R.-Utilização Saúdável e Equilibrada das Redes»?
R-Apesar de já não serem novidade, as novas tecnologias continuam a evoluir a enorme velocidade. São ferramentas de inquestionavel utilidade e podem e devem ser aproveitadas como tal. No entanto, a forma como se fazem presentes no nosso dia a dia está associada a desafios crescentes, com impactos a diferentes níveis (emocionais, comportamentais, sociais, familiares…), sobre os quais pretendemos consciencializar e orientar.
Procuramos responder à necessidade da existência de um guia, atualizado, que sensibilize e seja útil a todas as idades. Até à data o foco tem sido, sobretudo, a utilização realizada pelas crianças e adolescentes, considerando o impacto que representam no seu desenvolvimento, assim como as dificuldades sentidas pelos pais e outros agentes educativos nesta gestão. No entanto, sabemos que as dificuldades que surgem no âmbito da utilização de ecrãs são comum às diferentes faixas etárias, podendo em todas estas verificar-se uma utilização excessiva ou problemática. Com essa consciência, desejamos que não apenas pais e professores, mas também adultos e profissionais de outras áreas possam ver respondidas inquietações e receios com que se deparem no que respeita a este tema, encontrando neste livro estratégias que contribuam para uma utilização mais livre e equilibrada. Em mais de 180 perguntas, certamente alguma será a sua!
P-As redes sociais e os ecrãs estão a tornar-se numa ameaça à nossa saúde mental?
R-Quando utilizados de forma excessiva ou problemática, os ecrãs e as redes sociais podem, sim, por em risco a nossa saúde mental. Torna-se possível identificar um conjunto de quadros clínicos que surgem deste tipo de utilização e importa estarmos conscientes de alguns sinais de alerta que nos permitem perceber se nos mantemos a utilizar os ecrãs, de forma livre, como utensílios que são, ou se nos estamos a tornar reféns dos mesmos. Como reage quando fica longe do seu telemóvel? Tem preferência por ficar em casa, nos seus dispositivos, ao invés de participar noutras atividades familiares, sociais ou culturais? Como está a o seu corpo a responder ao número de horas que passa em frente ao ecrã? O seu sono é reparador e a sua alimentação variada e equilibrada? Podem parecer questões de resposta óbvia mas, na verdade, remetem para sintomas que muitos adultos estão, também, a manifestar. A forma como as nossas emoções e comportamentos se alteram perante a utilização excessiva de redes sociais e ecrãs em geral pode, sim, ameaçar a nossa saúde mental.
P-Existe algum grupo de pessoas mais susceptível ou a questão coloca-se de uma forma transversal?
R-Será sempre ingénuo e irresponsável negar que há grupos que apresentam maior vulnerabilidade para o desenvolvimento de qualquer problemática. Ainda assim, sentimos ser realmente importante passar a mensagem de que a grande maioria da população portuguesa está a fazer uma utilização excessiva dos seus ecrãs pessoais, em geral, e das redes sociais em particular: encontramos impacto muito significativo nas atividades de vida diária e nas relações pessoais (sejam conjugais ou familiares) e é fundamental que todos possamos travar a fundo enquanto ainda vamos a tempo. Dito isto, sabemos que pessoas com traços de impulsividade, de dificuldade de gestão de tempo, de necessidade constante de novidade e diversificação de estímulos, com dificuldades em manter a concentração, com dificuldades de socialização ou de gestão emocional podem apresentar um risco acrescido de uma utilização excessiva ou dependente tendo em conta que, neste mundo virtual, muitas destas dificuldades são sentidas como atenuadas e tantas outras das suas qualidades pessoais podem ser rentabilizadas e reforçadas.
P-Nós, portugueses temos comportamentos semelhantes aos de outras sociedades ou há algumas especificidades?
R-Do ponto de vista do consumidor temos, segundo parece, um comportamento muito semelhante a outros países da Europa. Estima-se que cerca de 97% da população tem acesso às redes sociais e que a média de utilização diária do telefone é de 3 horas e 35 minutos. Continua a ser muito quando pensarmos que representa quase metade do tempo livre que cada um possui após um dia de trabalho, horas para cultivar relações, estar com a família, praticar desporto ou descansar. No Relatório Digital 2024 – Portugal, é relatado que mais de 50% das pessoas que acede às redes sociais, fá-lo para passar o seu tempo livre e isso é algo que nos deve inquietar enquanto sociedade. Eventualmente o aspeto em que Portugal parece distinguir-se de outros países da Europa é na consciência do impacto desta nova tendência comportamental e na consequente demora em propor medidas preventivas e promotoras ou, mesmo, aprovar leis que regulamentem estas diferentes esferas – falamos, especificamente por exemplo, do acesso às redes sociais pelos jovens ou da autorização/proibição da sua utilização em contexto escolar.
P-No vosso livro, escrevem sobre problemas com efeitos distintos: perturbação do sono, ansiedade, depressão ou hiperactividade: o que é mais pernicioso e difícil de resolver?
R-Responder a esta pergunta implicaria citar praticamente toda a terceira parte deste extenso manual! No fundo, no separador “quadros clínicos” fizemos uma análise detalhada à forma como a utilização excessiva ou dependente da internet, redes sociais ou videojogos se relaciona com outros quadros clínicos.
A gravidade e impacto de cada um destes efeitos é variável. Importa, sobretudo, olhar para cada pessoa de forma singular e individualizada. O grande desafio como ponto de partida é descobrir se os quadros clínicos identificados surgem como consequência de uma utilização de ecrãs não saudável ou podem já estar previamente instalados e contribuir para um uso não equilibrado (por exemplo, em quadros de depressão e ansiedade é uma relação causal particularmente difícil de estabelecer). Por outro lado, sabemos que em indivíduos com diagnóstico de perturbações do neurodesenvolvimento como a Perturbação de Hiperatividade e Défice de Atenção ou as Perturbações do Espetro do Autismo apresentam algumas especificidades relativamente à forma como se relacionam com o mundo digital e virtual. A melhor maneira de diminuir a intensidade sintomática que todos estes quadros podem apresentar é começar por garantir a saudável satisfação de necessidades básicas (como regular os padrões de sono ou de alimentação) e procurar estimular competências protetoras de saúde mental, nomeadamente aquelas que se desenvolvem na relação com o outro.
P-Pensando no futuro: que soluções conseguem propor para os problemas identificados?
R-Importa-nos, sobretudo, deixar claro que não pretendemos exclusivamente diabolizar e não defendemos, de maneira alguma, a extinção ou proibição do acesso a uma ferramenta única e com potencial de mudar o mundo para melhor. Preocupamo-nos que possa estar a escapar uma reflexão importante sobre ganhos e perdas e sobre estratégias que nos equilibrem do ponto de vista emocional e comportamental e que nos tornem, assim, mais capazes de capitalizar todas as coisas boas deste universo digital. Em poucas palavras, e para uma primeira abordagem que todos somos capazes de fazer, algumas das nossas recomendações passam pelo alargar do leque de interesses, uma busca mais ativa de atividades prazerosas, coisas que gostamos de fazer e que não impliquem ecrãs, o aumento da prática de exercício físico, a exposição a situações de frustração, de tédio, da necessidade de esperar, a exposição a situações de natureza social que nos obriguem a conhecer pessoas novas, saber como nos apresentar, saber como comunicar necessidades ou expressar emoções. Diminuir o tempo desligados conecta-nos a outros lados nossos (e dos outros) que nos deixarão mais protegidos, preparados e capazes de utilizar de forma positiva o mundo virtual.
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Leonor Nápoles/Débora Carvalhosa/Rosário Carmona e Costa
U.S.E.R.-Utilização Saúdável e Equilibrada das Redes
Oficina do Livro 18,90€