António José Vilela: “Hoje todos sabemos o que é possível fazer em bancos durante muitos e muitos anos”
P-Qual a ideia que esteve na origem deste seu livro A Teia do Banif?
R-Tudo começou com investigações que fiz na revista SÁBADO ao longo dos anos sobre a chamada burla com as ações do Banif e casos vários relacionados com interesses angolanos em Portugal. Estas investigações parciais começaram logo em 2008 e prolongaram-se durante mais de 12 anos permitindo-me perceber uma série de factos e histórias que ligavam várias pessoas, interesses e o próprio banco Banif.
P-Do seu ponto de vista, como foi possível pensar esta teia, desenvolver o projecto e ter sucesso durante tantos anos?
R-O Banif era um banco e hoje todos sabemos o que é possível fazer em bancos durante muitos e muitos anos sem que se perceba cá fora o que está a acontecer. Mas o livro vai bem além das relações que se estabeleceram a partir do Banif, pois incluem interesses em outros bancos e histórias que juntam também os mesmos personagens – banqueiros, advogados, políticos, magistrados e outros – e novas histórias.
P-O caso do BANIF acabou por não ser tão mediático como a Operação Marquês: isso deve-se apenas ao peso político dos principais protagonistas (José Sócrates e Ricardo Salgado)?
R-Este livro não é apenas sobre o caso Banif, um banco à deriva que deixou um rasto de destruição envolvendo uma série de acionistas e pequenos investidores. Este livro parte do banco Banif e de um burla para contar muitas histórias associadas a esta situação e relacionadas com uma teia de interesses portugueses e angolanos, onde curiosamente também entram José Sócrates e Armando Vara (Operação Marquês e Face Oculta), Ricardo Salgado (casos BES), Fernando Teles (caso BPN) e muitos, muitos outros. Respondendo diretamente à pergunta, claro que o BES teve outra relevância social e económica porque era o segundo maior banco privado, Ricardo Salgado era o banqueiro mais conhecido em Portugal e a Operação Marquês levou a que fosse detido no nosso País um ex-primeiro-ministro. Mas volto ao início, o meu livro sobre o Banif não é o caso Banif que todos conhecemos, é uma outra história que, me atrevo a classificar, como bastante interessante. E que porventura também ajuda a explicar os casos que citou.
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“Havia muito dinheiro
angolano a circular em Portugal
como se o nosso país fosse
uma gigantesca lavandaria de Luanda”
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P-Angola está presente e em força nos principais escândalos de corrupção da política portuguesa: como se explica esse facto?
R- Num determinado momento, pouco antes da intervenção da troika foram abertas muitas investigações na justiça portuguesa relacionadas com lavagem de dinheiro e crimes de fraude fiscal e de falsificação. Nessa altura, havia grandes movimentações financeiras de várias figuras relacionadas com o poder angolano e sobretudo próximas do então Presidente José Eduardo dos Santos. Também existiram várias queixas de cidadãos angolanos que foram remetidas ao MP e à CMVM, como a denúncia do ex-embaixador angolano Adriano Parreira. Um caldeirão, portanto.
Estas investigações sobre movimentações financeiras acabaram por envolver muitos negócios imobiliários de luxo, participações em bancários e muitos outros negócios que se suspeitava terem sido feitos com dinheiro obtido em Angola de forma ilegal ou ilegítima. Acho que não foi tanto o envolvimento em escândalos de corrupção que esteve em causa, mas perceber-se que havia muito dinheiro angolano a circular em Portugal como se o nosso país fosse uma gigantesca lavandaria de Luanda.
P-Durante a investigação jornalística que fez nos últimos anos, o que mais o surpreendeu em todo este caso?
R-Acho que o que mais me surpreendeu foi a forma como diversos interesses se cruzaram aparentemente sem qualquer problema. Por exemplo, como advogados, magistrados, banqueiros, empresários e políticos estabeleceram relações perigosas entre eles. E como estavam prontos para fazerem acordos de cavaleiros, mais ou menos formais, quando era necessário.
P-A obra é a prova de que ainda vale a pena fazer jornalismo de investigação em Portugal apesar da lentidão da Justiça e da sensação de impunidade que se vem avolumando?
R-O jornalismo de investigação representa uma espécie de raio x da sociedade. Por isso, é fundamental que exista e exista em quantidade para revelar aquilo que alguns querem esconder. A transparência dos comportamentos, das decisões, dos negócios é fundamental numa sociedade democrática e desenvolvida. O jornalismo de investigação tem um papel muito importante nisto, inclusive porque pode e deve também centrar-se até nas decisões judiciais e de investigação, analisando o expediente dos processos e revelando aquilo que também a justiça não fez ou fez mal.
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António José Vilela
A Teia do Banif
Casa das Letras 15,90€