Gareth Gore: “A Opus Dei opera como uma sociedade secreta oculta”

Gareth Gore é jornalista de investigação e editor especializado em actualidade financeira, com cerca de duas décadas de experiência e reportagens em mais de 25 países. Tornou-se mais conhecido por este seu livro “Opus-Engenharia financeira, tráfico humano e a ascensão da extrema direita no seio da Igreja católica”. Nesta obra, Gareth Gore descreve em detalhe e com inúmeros factos aquilo que apresenta como uma extensa rede de influência da Opus Dei. Hoje, esta organização secreta tem uma significativa presença em mais de 70 países, incluindo em Portugal onde o autor estima que existam cerca de 1400 membros.
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P-Qual é a ideia que esteve na origem do seu novo livro, “Opus”?
R-Nunca tive a intenção de escrever um livro sobre o Opus Dei – na verdade, esta é uma história que descobri por completo acaso. Em 2017, fui enviado para fazer uma reportagem sobre o colapso repentino do Banco Popular, um dos maiores bancos de Espanha. Não fazia ideia de que estava prestes a cair num buraco sem fundo! Ao longo dos meses e anos seguintes, comecei a juntar as peças da incrível história de como um grupo de homens que fizeram voto de celibato e autoflagelação sequestrou o banco e o transformou numa máquina de fazer dinheiro para a Opus Dei, desviando centenas de milhões de euros para financiar a sua expansão para todos os cantos do mundo. O rastreio do dinheiro ligou o banco e a Opus Dei a uma rede de tráfico humano na Argentina, aos abusos hediondos dos seus membros – e a uma teia de influência política que se estendia até Washington D.C.

P-Do seu ponto de vista, onde reside o poder desta organização a nível global?
R-A Opus Dei retira todo o seu poder da legitimidade que lhe é conferida pela Igreja Católica. Os católicos comuns vêem a organização como algo que vem com o selo de aprovação do Vaticano e, como resultado, não pensam duas vezes antes de frequentar reuniões da Opus Dei, confessar-se a um padre da Opus Dei ou enviar os seus filhos para uma escola da Opus Dei. Mas, o que eles não percebem é que a espiritualidade é simplesmente uma fachada para a agenda política do grupo. A Opus Dei usa – ou melhor, abusa – da legitimidade que lhe é conferida pela Igreja para atrair alvos incautos para as suas garras e, em seguida, usa-os como peões para promover os próprios interesses do grupo, sem qualquer consideração pelo seu bem-estar espiritual, emocional ou psicológico. Sem essa legitimidade, a Opus Dei não seria nada.

P-Em termos de política europeia, em que áreas de governação é possível identificar a influência desta organização?
R-Desde o início, a Opus Dei tem dirigido cuidadosamente os seus esforços de recrutamento para a elite – políticos, juízes, empresários, jornalistas e académicos – porque sabe que a melhor e mais eficaz forma de remodelar a sociedade é através daqueles que estão no topo. Não pode simplesmente aceder ao site da Opus Dei e preencher um formulário a pedir para aderir: este é um grupo que funciona apenas por convite – porque a Opus Dei só está interessado em recrutar pessoas que possam promover a sua própria agenda. E utiliza esta mesma estratégia em todos os países onde opera. Em toda a Europa, os seus esforços de recrutamento são especificamente dirigidos àqueles que detêm o poder e ocupam posições de influência sobre o poder – ou seja, os mundos da política, do poder judicial, dos negócios, dos media e da educação.

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“Após a sua fundação em Espanha,
Portugal foi o primeiro país
para o qual o grupo se expandiu
e conta agora com cerca
de 1.400 membros
em todo o país.”

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P-Corremos o risco de a democracia e a livre escolha dos cidadãos serem comprometidas pela intervenção obscura da Opus Dei?
R-A melhor forma de pensar a Opus Dei é como uma rede política – mas uma rede que opera na sombra e sob este falso véu de espiritualidade. O que mais me surpreendeu ao pesquisar para o livro foi o quão disseminada e eficaz esta rede se tornou. Nos Estados Unidos, o grupo transformou-se numa poderosa força política, com cerca de 800 membros só em Washington D.C. e com alguns apoiantes extremamente influentes, incluindo o presidente da Heritage Foundation, Kevin Roberts, o influente membro do Supremo Tribunal Leonard Leo e o ex-procurador-geral Bill Barr. Ao contrário de outros grupos de pressão, nenhuma destas actividades de influência é feita abertamente – a Opus Dei opera como uma sociedade secreta oculta. A sua influência representa um perigo para a democracia e a transparência.

P-Ainda é possível combater com sucesso este poder e os seus efeitos perversos?
R-Como disse Louis Brandeis, antigo membro do Supremo Tribunal dos EUA: “Se a luz do dia pudesse iluminar as ações dos homens, purificá-los-ia como o sol desinfeta”. A minha sincera esperança é que, ao expor a Opus Dei – os seus abusos, a sua influência, o seu poder – o meu livro desperte as pessoas para o perigo que este grupo representa. Já há sinais de ação: espera-se que o Papa Leão XIII tome medidas contra o grupo em breve, havendo rumores de que poderá dissolver a Opus Dei. Isso seria um grande golpe. Mas é complicado: Leão XIII herdou uma Igreja dividida, com muitos católicos ricos e conservadores – sobretudo nos EUA – descontentes com a agenda “progressista” defendida por Francisco. Leão XIII quer tê-los do seu lado. Atacar a Opus Dei corre o risco de afastar este grupo. O Papa Leão XIII parece estar a tentar encontrar uma forma de reprimir a Opus Dei sem desagradar a muitos dos seus ricos e poderosos apoiantes. O tempo dirá se encontrou o equilíbrio certo.

P-De acordo com a sua investigação, podemos afirmar que a actuação da Opus Dei está presente em todos os países da União Europeia, incluindo Portugal?
Absolutamente. A Opus Dei opera em toda a Europa – e em cerca de setenta países do mundo. Após a sua fundação em Espanha, Portugal foi o primeiro país para o qual o grupo se expandiu e conta agora com cerca de 1.400 membros em todo o país. Tem centros em Braga, Porto, Miramar, Viseu, Coimbra, Lisboa, Montemor-o-Novo e Ponta Delgada.
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Gareth Gore
Opus-Engenharia financeira, tráfico humano e a ascensão da extrema direita no seio da Igreja católica
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