Isabel Rio Novo: “A magia da ficção é a sua capacidade de subverter a realidade, tornando-a ainda mais verdadeira”

Isabel Rio Novo continua o seu percurso na ficção com um novo romance que recebei o Prémio Literário Cidade de Almada, em 2024. Um romance que, curiosamente e com imensa cumplicidade, recupera a personagem de Jacinto, um dos protagonista de um romance de Paulo M. Morais. Já vamos saber como tudo se passou.
[Fotografia: Vitorino Coragem]

P-O que sentiu ao ver atribuído a este livro o Prémio Literário Cidade de Almada (2024)?
R-Por muito confiantes que sejamos enquanto autores e nos digamos indiferentes a essas coisas, receber um prémio é sempre uma forma de validação. E o facto de um romance ser premiado antes da sua publicação funciona como garante prévio de uma certa qualidade, que os leitores (e todos os envolvidos na distribuição do livro) não costumam achar de somenos. Tudo sabe ainda melhor quando os membros do júri são pessoas cujos méritos literários e críticos são conhecidos, como foi o caso.

2-O que representa no contexto da sua obra literária o livro A Matéria das Estrelas?
R-Dos meus romances costumo dizer que os sinto como meus filhos e irmãos entre si: é suposto serem meus, mas não me pertencerem; é suposto serem diferentes uns dos outros, mas exibirem um certo ar de família. Suponho que quem me lê habitualmente reconhecerá alguns temas. A memória de tempos passados, neste caso o Estado Novo ou a época das navegações; a atração pelas personagens discretas, mas complexas, pelas histórias aparentemente simples, mas perturbadoras.

3-Qual a ideia que esteve na origem do livro?
R-A ideia veio-me ter às mãos, literalmente, sob a forma de uma caixa de cartão com retratos, cartas, postais, cadernos, que o Paulo [M. Morais] me entregou. Não é impunemente que vivo com outro ficcionista, com quem a experiência da escrita é intimamente partilhada em todas as fases, da ideia inicial do romance à revisão da primeira versão do manuscrito. Se o narrador de A Matéria das Estrelas, o médico Eduardo, é uma das personagens de A Febre das Almas Sensíveis, um romance meu cuja história se desenrola nos anos de 1930, nos sanatórios da Serra do Caramulo, A Matéria das Estrelas é uma espécie de spin off de A Boneca Despida, o mais recente romance do Paulo. Recupera dele a personagem de Jacinto, um jovem oficial da Marinha, preso desde um acidente misterioso a uma espécie de existência suspensa. Eduardo, parente por afinidade de Jacinto, investiga o que lhe aconteceu a partir dos rastos e indícios deixados pelo jovem.

4-O guarda-marinha Jacinto existiu ou é pura ficção?
R-Ambas as coisas. A magia da ficção é a sua capacidade de subverter a realidade, tornando-a ainda mais verdadeira. Houve, de facto, um guarda-marinha que também se chamava Jacinto, cuja vida mudou bruscamente no dia 21 de janeiro de 1971. A partir dos vestígios da sua existência, desconstruí, reinventei, imaginei. No final, a sua vida tornou-se também uma história sobre distâncias, as dos tempos, as dos espaços vastos, como o mar ou a conquista espacial, e das tentativas dos homens para superarem essas distâncias, seja através da viagem física ou da viagem da memória ou da viagem da escrita.

P-Pensando no futuro: o que está a escrever neste momento?
R-Relativamente à tal constelação de romances em que há personagens “itinerantes”, estou a escrever o romance que fechará o ciclo e contará a história de Germana e Francisco, avós maternos de Jacinto. É um projeto que me entusiasma muito, e certamente que a viagem que vou fazer no final deste mês a Macau, onde a ação se desenrola parcialmente, me vai ajudar a terminá-lo. Entretanto, depois da biografia de Luís Vaz de Camões, publicada no ano passado, já iniciei a pesquisa para a biografia de outra grande figura histórica.
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Isabel Rio Novo
A Matéria das Estrelas
Publicações D. Quixote  17,70€

Isabel Rio Novo na “Novos Livros” | Entrevistas

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