J. M. Barata-Feyo: “Não consigo entender a lógica segundo a qual há ditaduras boas e outras más”

José Manuel Barata-Feyo é um dos mais experientes jornalistas portugueses e tem um longo percurso. Desta vez, a sua investigação foi em busca de 400 portugueses que, na França ocupada da Segunda Guerra Mundial, combaterem os nazis. Um história praticamente desconhecida e em que, nota o autor, existe “o total e absoluto silêncio dos governantes e das autoridades portuguesas”.
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P-Qual a ideia que esteve na base deste seu novo livro “Os Soldados Fantasma”?
R-A ideia surgiu na sequência da investigação que fiz sobre os cerca de quatrocentos portugueses e portuguesas que lutaram contra os nazis de 1940 a 1944, durante a ocupação da França, e que deu origem à publicação do livro “A Sombra dos Heróis”.

P-Como encontrou esta história?
Em alguma da documentação que então consultei (entre 2016 e 2018) apareciam referências a cerca de mil portugueses que tinham sido voluntários para o exército francês depois de a França ter declarado guerra à Alemanha, a 3 de Setembro de 1939. Considerei, então, que também esses portugueses mereciam ser arrancados ao anonimato e ao esquecimento a que estavam votados. Afinal, todos eles e elas tinham lutado contra os nazis e pela liberdade da França, da Europa e da nossa própria.

P-Quem são estes mil portugueses que combateram a Alemanha nazi a partir de França?
R-A documentação que existe nos arquivos históricos franceses não permite uma resposta clara. Sem dúvida que a maioria eram emigrantes que viviam e trabalhavam em França, alguns com a família. Mas outros serão portugueses que combateram do lado da República durante a Guerra Civil espanhola e que se refugiaram em França depois da vitória do general Franco.

P-Refere que estes são “soldados fantasma” por serem pouco ou nada conhecidos (nem reconhecidos): razões para esta situação em França?
R-A razão de fundo é que, depois da libertação da França, o general De Gaulle considerou prioritário, no plano político nacional e numa perspectiva de futuro, fazer crer aos seus compatriotas que a libertação do país e a vitória sobre os nazis se deviam sobretudo aos exércitos franceses. Assim sendo, a participação de estrangeiros, designadamente portugueses, nesses combates foi omitida.

P-Numa época em que o regime de Salazar proclamava a sua neutralidade na Segunda Grande Guerra, este episódio mostra que houve quem tomasse partido: encontrou reflexos ou documentos dessa situação em Portugal?
R-Não, de todo. Se, pelas razões já expostas, os portugueses foram esquecidos em França, eles foram completamente ignorados em Portugal até 2018 e à publicação de “A Sombra dos Heróis”. A razão fundamental para a atitude portuguesa explica-se por duas razões: por um lado, Salazar queria afirmar a neutralidade de Portugal e ela era incompatível com o envolvimento de portugueses de um dos lados do conflito e, por outro lado, a ditadura não morria de amores pelos que lutavam pela liberdade, dentro e fora das nossas fronteiras. Mais incompreensível, é o total e absoluto silêncio dos governantes e das autoridades portuguesas, em geral, desde que foi tornada publica a participação de compatriotas nossos no combate contra os nazis. Afinal, mil e quatrocentos portugueses, dos quais mais de metade morreu a lutar pela liberdade, não é um número anedóctico… Tanto mais que – ainda que não pretenda estabelecer comparações que seriam descabidas – a PIDE matou “apenas” 14 portugueses durante os 48 anos da ditadura! Não consigo entender a lógica segundo a qual há ditaduras boas e outras más, e liberdades de primeira e outras de segunda…
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José Manuel Barata-Feyo
Os Soldados Fantasma
Clube do Autor  18€

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