Leonor Sampaio da Silva: “De modo a convocar o humor no tratamento de um assunto tão sério”

1-O que representa no contexto da sua obra literária o livro “Passagem Noturna”?
R-Passagem Noturna é o meu primeiro romance e, portanto, representa uma experiência de escrita muito diferente das anteriores – os contos e a poesia. Os primeiros livros foram, de certo modo, uma preparação para a prova de maior fôlego (o romance) e, neste sentido, este livro representa também a chegada a um patamar de maturidade e de segurança literárias que eu não sentia ter alcançado plenamente com os livros anteriores. Finalmente, o facto de ter sido finalista do Prémio LeYa em 2023, entre 907 originais, e de ter sido publicado pela Dom Quixote representa um salto gigantesco para uma autora insular. Só agora, com este quinto livro, eu comecei a ser lida pela crítica nacional.
2-Qual a ideia que esteve na origem do livro?
R- O tema central que eu pretendi explorar foi a perda. Mas quis fazê-lo de modo a convocar o humor no tratamento de um assunto tão sério, o que explica a existência de passagens em que perdas cómicas e ligeiras alternam com outras bem mais graves e pesadas. Além disso, enquanto leitora, eu recebi uma forte influência da literatura utópica e pretendi explorar o lado sombrio da utopia, o que está patente na escolha do gatilho que dá início à ação: a abertura de uma cratera funda à volta de um edifício. Isto permitiu-me situar a ação num espaço dominado também pela perda de alicerces – um hotel isolado numa ilha duplica a força da insularidade (é uma ilha na ilha) e funciona como espelho das perdas que atingem várias personagens. Finalmente, associei a tudo isto um contexto histórico atual, marcado pelo crescimento desenfreado do turismo, o que também me permitiu fazer crítica social e abordar as perdas que poderão resultar do turismo em ambientes impreparados para alguns dos efeitos que ele acarreta. Não consigo separar estas três ideias, pois congregam a mensagem nuclear da obra: o que é, ou poderia ser, um paraíso transforma-se rapidamente num inferno se perdermos os alicerces físicos, sociais e psicológicos que nos conferem robustez e equilíbrio.
3-Pensando no futuro: o que está a escrever neste momento?
R- Gosto de pensar que estou a escrever o melhor do que já fiz até ao momento, mas não consigo garantir que esta ambição não seja também uma utopia. Só posso dizer que é outro romance – e, mesmo assim, afirmo-o sem convicção, pois é um corpo híbrido.
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Leonor Sampaio da Silva
Passagem Nocturna
Publicações D. Quixote 18,80€

