Luís Aguiar-Conraria: “A escola pública tornou-se uma barreira à ascensão social”

1-Qual a ideia que esteve na origem deste livro «A Culpa Vive Solteira»?
R-O livro é uma seleção das muitas crónicas que escrevi durante os últimos 15 anos. Naturalmente que, ao escolher crónicas mais antigas, tive o cuidado de não escolher crónicas datadas, digamos assim. Por isso, em especial na primeira parte do livro, escolhi um conjunto de textos que ilustram como as lentes da “ciência” económica — entre aspas porque compreendo quem argumenta que as ciências sociais não são ciências puras, dada a dificuldade em recorrer ao método experimental — podem ser aplicadas para perceber assuntos do dia a dia. Assuntos que vão desde o sexo às inaugurações de obras em ano de eleições, passando pela melhor forma de marcar um penalti. Também reuni crónicas mais atuais que pretendem dar uma ideia das principais causas da estagnação portuguesa e de como podemos soltar as amarras que prendem a nossa economia. Finalmente, penso que o capítulo dedicado às desigualdades (sejam sociais, raciais ou de género) representa muito bem o que é o meu pensamento sobre estes assuntos. Há também um capítulo mais pessoal, o último, que acaba por ser uma espécie de diário pessoal. Portanto, no fim, para responder diretamente à sua pergunta, este livro não é bem o resultado de uma ideia, mas sim de quatro ou cinco. Mas em vez de escrever assim tantos, reuni tudo num só.

2-Como economista, um ano depois da pandemia, quais os traços mais marcantes do retrato que faz de Portugal?
R-Para mim, o mais engraçado, foi ver como quando os cientistas estão na berlinda e têm de fazer previsões que cometem erros tão estrondosos como os economistas. Diz-se que os meteorologistas existem para que os economistas não sejam os únicos a errar nas previsões. Agora podemos acrescentar epidemiologistas e matemáticos. Do ponto de vista económico, para já, o que ressalta é que se tratou de crise que exacerbou brutalmente as desigualdades existentes. Como noutras crises, as classes que mais sofreram foram as mais pobres. Nisso não há novidade. A grande novidade é a forma como atingiu a escola. Com as escolas encerradas ou a meio gás durante quase dois anos, tudo indica que houve um acréscimo brutal das desigualdades que se farão sentir nas próximas décadas. Os atrasos de aprendizagem dos filhos das classes não privilegiadas serão dificilmente recuperáveis. A escola pública em vez de ser um elevador social, tornou-se uma barreira à ascensão social. Do ponto de vista estritamente económico, das empresas, digamos assim, ainda estão por avaliar os impactos. O principal risco é o de ficarmos com muitas empresas sobreendividadas e sem capacidade de investir, apenas de tentar sobreviver. Temos de aguardar para avaliar.

3-Com as ferramentas e as perguntas que, como economista, gosta de usar como olha para o futuro: a pandemia mudou mesmo tudo?
R-É um exercício que não consigo fazer, esse. A única coisa que arrisco dizer é que a pandemia acelerou adaptações que já aí viriam de qualquer forma, como o trabalho à distância, do comércio à distância e a digitalização da economia. Mas eram tendências que já existiam. A pandemia apenas lhes deu um empurrão. O principal desafio de Portugal não mudou. Continua a ser o da demografia. Com uma população em envelhecimento é muito difícil acreditar numa economia dinâmica e inovadora. No ponto de vista da humanidade, o principal desafio continua o mesmo: as alterações climáticas.
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Luís Aguiar-Conraria
A Culpa Vive Solteira
Clube do Autor  17,50€

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