Mário Cordeiro: “Um romance permite uma maior liberdade de criatividade”
1-O que representa no contexto da sua obra literária o livro “Redemoinho”?
R-O livro é mais um romance, a juntar a outros do mesmo estilo, bem como a alguns de poesia que já publiquei. Um romance permite uma maior liberdade de criatividade, independentemente de os livros mais dirigidos a pais e educadores estarem polvihados com “mil e uma” histórias e casos, reais, que acabam por ser quase “mini-contos” e que descrevem cenas do quotidiano. Este romance é um pouco isso. A ideia de que um facto aparentemente anódino e que poderia ter acabado logo ali, nas chamas da lareira da casa de Manuel, acaba por ter um impacte brutal na vida dele, levando-o a questionar praticamente tudo, inclusivamente a sua própria vida. Uma pessoa que aprecia tão segura, tão equilibrada, tão sólida, é “chocalhada” por um evento aparentemente mínimo, mas cujo teor é sentido de forma tão violenta que o abana e faz estremecer toda a sua estrutura. Gosto de contar histórias – como em A Praça, Jogos de Verão, Quanto tempo faltará para o abismo, O Diário do André -, que deixam o final para o leitor, ou seja, que não extraem conclusões, apesar de haver desenlaces narrativos, mas que provocam o leitor e o fazem pensar em outras saídas para a história. No fundo, para lá de considerar que se deve escrever e descrever bem, há que convidar o leitor para uma jornada em que vamos dando alguns elementos, ele constrói outros na sua cabeça (como os cenários, o que é um dos grandes poderes dos livros) e fica a refletir sobre o que leu, quando o livro termina.
2-Qual a ideia que esteve na origem do livro?
R-Há muitos anos, estava em férias a ler o 1934 de Alberto Moravia, quando marquei o livro com qualquer coisa como uma conta de supermercado ou de um café, ou algo assim. Algo sem significado, mas apenas porque não gosto de dobrar cantos às páginas e queria saber onde tinha ficado. Ao retomar o livro – que disserta sobre amor, morte e desespero -, dei por mim a pensar no Manuel (que poderia ser outro qualquer) e que, ao pegar num livro comprado num alfarrabista da rua onde mora, numa noite de inverno, à lareira, enquanto espera pela sua namorada, encontra uma carta (desta vez não uma conta de supermercado…) carregada de angústia, de aflição, de drama. Nunca saberemos o teor da carta, o que adensa o mistério, mas apenas o impacte que ela tem em quem a lê. A carta é de um homem para uma mulher. De um Pedro para uma Ana Maria. Mas quem são? O que fazem» Quando existiram, se existiram? Será que alguém ficcionou a carta e a inseriu no livro? Estas e mais outras tantas perguntas perturbam a vida de Manuel a ponto de tudo se tornar obsessivo, quase neurótico, à procura de respostas e de saber quem pode escrever uma carta daquelas a alguém, e porquê. Claro que tudo isto vai afetar enormemente a sua vida pessoa e relacional.
3-Pensando no futuro: o que está a escrever neste momento?
R-Neste momento, depois de este ano ter publicado um livro de poesia (“Só eu e tu, e as girafas”) e um de contos (“Átomos”), tenho no prelo um livro de poesia para o verão, “Como um barco esquecido, na areia amarrado…” e estou a escrever mais uma peça de teatro e um novo livro de poesia, e ainda a retomar um romance que comecei há cerca de 30 anos e que esteve guardado no computador, mas que “esticou a cabeça” a dizer que “estava também ali” – acho que poderá ter pernas para andar. A vantagem de escrever ficção ou poesia, ou mesmo dramaturgia, é que há uma enorme liberdade e as ideias podem ser desenvolvidas sem pressas e sem prazos, ao contrário de livros mais técnicos que precisam, por todas as razões, de serem mais datados, de uma enorme investigação científica e de respeitar prazos muito apertados, até porque a Ciência evolui de forma galopante, sobretudo quando pensamos em temas como a internet, o abuso dos ecrãs, o bullying, o divórcio ou outros assuntos do foro, digamos, social. Todavia, as razões que me fazem escrever, porventura de um modo algo ávido, é o prazer de escrever e de tentar deixar uma pegada de que alguém pode gostar e com a qual possa, também, ter prazer e passar momentos bons.
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Mário Cordeiro
Redemoinho
Casa das Letras