Mudar de ideias com Barnes
CRÓNICA
| Rui Miguel Rocha
Barnes é daqueles escritores que, pelo menos no meu caso – e pode bem ser um caso perdido -, tanto nos entusiasma, como tem o condão de nos desiludir ou enfadar. Comprei o livro por continuar a gostar de Julian Barnes, mas também porque é um objecto bem feito, que agrada ao toque – dir-me-ão que todos os livros o são, mas não é bem assim, uns são mais do que os outros, e este é.
Saí da livraria e fui tomar café. Quando me levantei tinha passado uma hora e acabara o livro. Comprem já! É mesmo muito bom. Um dos motivos é a simplicidade da linguagem, nem sempre conseguida pelo enciclopédico autor. Outro, que no fundo é o mesmo, é que os cinco ensaios que o compõem foram escritos e pensados para serem ditos numa emissão de telefonia sem fios.
Mudar de ideias. Será sinónimo de volubilidade ou de adaptação? Inteligência ou Maria Vai com as Outras? Renovação ou conservadorismo (o mundo e as pessoas mudam e eu mudo para onde já estava).
No primeiro ensaio: as memórias. Chega-se à conclusão que as recordações dos outros sobre a nossa pessoa são mais precisas do que as lembranças que temos. O que aparentamos ou os gestos que fazemos ou tudo o que escondemos é visto por outros olhos e interpretado à revelia do que pensamos deixar escapar. “Tinha acabado por desconfiar da memória como guia para o passado. Em si mesma, a memória sem corroboração e sem fundamentação era, na opinião dele, inferior a um ato de imaginação.” É um pensamento belo e invulgar e eu acrescentaria que há memórias construídas com fotografias a sépia ou até com dejá vus enlouquecidos.
O segundo ensaio ou palestra no original introduz as palavras como entidades capazes de gerar beleza, verdade e arte, mas também o contrário, falsidades, tergiversões, mudando assim as ideias, ou alterando um pouco a nossa percepção do que tínhamos como certo. A palavra dizimar “é usada como sinónimo de massacrar, varrer, obliterar”, quando na sua essência era uma prestação de dízimo romano, “quando uma legião romana…combatia mal ou se comportava traiçoeiramente, os sobreviventes eram alinhados e um em cada dez era morto.” Portanto, algo que vem de uma prestação, presta-se a matar toda a gente sem fazer contas de cabeça.
O terceiro discurso traz a política. Os partidos e os políticos e as suas manias de maré, comandados pela lua da opinião pública. E então os debates “Nenhum dos participantes no painel é alguma vez convencido pelos argumentos de outro, ninguém diz: ‘Oh, estou a perceber, é claro que tem razão e eu não.’” Barnes confessa o seu centralismo político, fugindo aos excessos dos dogmáticos, mas também assume quase ter votado num partido que conseguiu a última linha do boletim e que se chamava “Nenhum dos Atrás Referidos”.
Mudar de opinião pode não querer dizer mudar de ideias, mas também pode. Tudo tem a ver com convicções “Alguns de nós temos convicções fortes fracamente sustentadas, outros têm opiniões fracas fortemente sustentadas.” Havia mais a dizer sobre este capítulo, mas não fui eu quem o escreveu.
Seguimos para os livros. Os autores que criticávamos e agora adoramos e os nossos ídolos caídos. Somos como o rio de Heráclito, mas os livros são os mesmos.
E por fim, a idade e o tempo onde o autor professa o que não pode mudar em si para que continue ao comando da sua própria razão, entre outras coisas, a “primazia do amor”, a “primazia da arte”, “que as invenções científicas e tecnológicas…são moralmente neutras, “que eu posso ser um pessimista alegre ou então um otimista melancólico”. E por fim, com chave de diamantes forjados em estrelas longínquas: “Que há imenso prazer (um prazer que nunca diminui, capaz de se prolongar por uma vida inteira) no desporto, além de uma certa dose de valor moral.”
Que maravilha.
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Julian Barnes
Mudar de Ideias
Quetzal 14,40€