Murakami: Sobre a fraqueza que nos corrompe e o medo do que possa acontecer

CRÓNICA
|Rui Miguel Rocha

Um livro sobre a fraqueza que nos corrompe e o medo do que possa acontecer. Somos como o corpo a decompor-se em vida, a fragilidade ocupa-se de nós e arrasta-nos para o caminho da morte, a morte em vida.
Um romance negro mas ao contrário, Chandler em alguns diálogos, mito e realidade. A eterna procura em fim de estação. “No aquário da minha imaginação é sempre fim de outono.”
A monotonia que as acompanha “o teu grau de tédio pode não ser tão elevado como pensas.”
Isto no meio de personagens desencantadas que bebem e fumam demais, orelhas que, uma vez destapadas, mostram toda a beleza do mundo “- Não mostras as tuas orelhas quando dormes com outros homens?”
É claro que não.
Mas o livro também tem mãos, as do suposto vilão “eram finas, sem vestígios de rugas. Os dedos, compridos e afilados, faziam pensar num bando de animais gregários que, por mais anos de treino e habituação à vida sedentária e doméstica, albergavam ainda a memória das suas origens selvagens.” Como alguns de nós.
Personagens como seres à deriva pelo mundo, pouco mais há a fazer do que “vaguear sem destino pelo vasto mundo do acaso.”
E também o abandono e a solidão “no lavatório da casa de banho, a escova de dentes dela estava seca, dura e encarquilhada como um fóssil.” E a espera que tudo isso traz, como Penélope: “quando não se faz outra coisa que não esperar, ao fim de um certo tempo uma pessoa repara que já nada mais tem importância.” Assim como as matizes do silêncio “aquele, porém, era um silêncio de uma outra espécie. Um silêncio pleno de ameaças, opressivo…Era o silêncio que pesa sobre um doente em estado terminal. Um silêncio habitado pelo pressentimento de morte.” E outro tipo de silêncio, o que interrompe conversas “seguiu-se silêncio pesado, como de uma pedra a cair dentro de um poço profundo. A pedra demorou 30 segundos a tocar no fundo.” O suspense do silêncio “O homem aclarou a garganta e por momentos deixou-se ficar calado. Era uma maneira de estar calado que podia servir de medida para avaliar a qualidade do silêncio.” E ainda “O silêncio persistia ‘que bela ocasião para um cuco, por exemplo, se pôr a cantar’, pensei. Escusado será dizer que nenhum cuco desatou a cantar. Os cucos não cantam ao entardecer.” E tudo isto “era um silêncio tão profundo que fazia doer os tímpanos.”
Fugir ao silêncio para chegar ao desencanto, a geração do desencanto: “se eu fosse criança, dificilmente gostaria de ter como pai alguém como eu.” Ou “- Quem me dera, também eu, partir em busca de qualquer coisa – confessou ele. – A verdade, porém, é que não saberia o que procurar.”
O que fica do livro é uma espécie de tempo intemporal, um eterno presente, “no ar um cheiro a tempo morto.”
Termino com um bom resumo das personagens “Devagarinho, fui voltando a ser eu. Não consigo explicar decentemente o que significa ser eu mesmo. Além do mais, a quem é que isso interessa alguma coisa?”
A mim interessou.
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Haruki Murakami
Em Busca do Carneiro Selvagem
Casa das Letras  19,80€/9,95€ (edição de bolso)

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