Sofia Miguens: Uma Leitura da Filosofia Contemporânea

1-Qual a ideia que esteve na origem deste seu livro «Uma Leitura da Filosofia Contemporânea-Figuras e Movimentos»?
R-Foram na verdade as minhas aulas na Universidade do Porto (aulas de filosofia contemporânea, de epistemologia, de estética, de filosofia da mente e da linguagem e outras) que estiveram na origem deste livro. Tive vontade de replicar por escrito situações de discussão em aula, comparações de autores que aparecem como iluminadoras, ligações históricas mais ou menos inesperadas e que nos permitem subitamente compreender uma ideia. Por outro lado quis mostrar que o isolamento numa ou outra tradição da filosofia contemporânea, por exemplo a tradição analítica, ou a fenomenologia, resulta empobrecedor – há muito a ganhar quando se procura conhecer o lado de lá, o suposto adversário, a tradição estranha. Por outro lado ainda, foi importante o facto de conhecer pessoas pelo mundo fora, pessoas que admiro, que trabalham em filosofia, em vários países, na Europa e nos Estados Unidos, e que trabalham para lá desse isolamento das tradições. Elas inspiraram-me. Eu própria sempre procurei fazer isso nas minhas aulas e, como disse, era um desafio dar uma forma escrita a essa experiência. Devo dizer também que passei os últimos vinte a tentar pôr toda a gente que trabalha comigo, nomeadamente no meu grupo de investigação, o MLAG (https://mlag.up.pt/) a trabalhar e publicar em inglês. Continuo a achar que isso é essencial para um certo trabalho de investigação em filosofia feito directamente num contexto internacional (e nós estamos hoje, imensamente melhor, em Portugal, nesse aspecto) Mas ao mesmo tempo que fazia isso não deixei nunca de pensar que ler literatura filosófica em francês e alemão também é muito importante – a filosofia de língua alemã, nomeadamente, que é muito importante neste livro, é uma componente incontornável da filosofia europeia – a própria filosofia analítica, que hoje se pensa ser uma tradição de língua inglesa, nasceu no mundo germanófono. Em suma (e também aí me sinto acompanhada por colegas de vários países) por trás do livro está a ideia de filosofia europeia, que não é una em termos de tradições, e a exploração dos rumos vários filosofia europeia dos últimos dois séculos.

 
2-Sendo esta obra uma «leitura pessoal» da filosofia contemporânea, quais as figuras e movimentos mais relevantes que analisa?
R-Bom, Wittgenstein organiza todos os meus percursos em filosofia e certamente o capítulo do livro sobre Wittgenstein é muito importante para mim. Claro que o Wittgenstein que procuro retratar não se resume a teses alusivas mais ou menos poéticas (ou mais ou menos escolásticas) sobre jogos de linguagem – é um filósofo potente, que nos permite trabalhar em todas as áreas da filosofia e que representa teses bem específicas sobre a natureza do pensamento da linguagem, bem como ideias metodológicas acerca desse estranho empreendimento conceptual que é a filosofia e que eu penso que não se resume a análise de conceitos, a argumentação, e muito menos apenas a análise dos textos da tradição (embora isso seja, é claro, literária e culturalmente muito importante – mas ainda não é filosofia). No livro Kant faz o contraponto de Wittgenstein. À parte esses dois pontos de sustentação penso que todos os autores e movimentos que escolhi – desde Kierkegaard ou Marx até Cora Diamond e Stanley Cavell – são relevantes. Se não fossem não os teria escolhido, e a verdade é que deixei muita coisa de fora. Como digo a certo ponto no livro (quando entro pelo século XXI) interessa-me o futuro da filosofia – foi por isso que escolhi os autores e movimentos que escolhi. Penso que têm futuro.
 
3-A filosofia contemporânea ainda é capaz de inovar e de a surpreender?
R-Claro que sim, absolutamente. Vejo à minha volta muita filosofia escolástica, cheia de jargão, técnica demais, impenetrável – isto em todas as tradições. Essa forma mata, ou pelo menos perturba, o interesse mais imediato e genuíno que se pode ter pela filosofia e que não é menor agora do que no tempo de Platão, ou de Kant, ou de Nietzsche. Mas também vejo trabalho muitíssimo bom e esse surpreende sempre – faz-nos voltar ao puro desejo de compreender as coisas, o desejo que nos leva à filosofia como nos leva à ciência e à arte. Mas é à filosofia cabe perceber a natureza desse estranho desejo.
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Sofia Miguens
Uma Leitura da Filosofia Contemporânea: Figuras e Movimentos
Edições 70  18,90€