Teolinda Gersão: “Saramago era acima de tudo e contra todos, um livre pensador”

1-No ano do centenário de José Saramago, qual o principal legado do escritor?
R-A humanidade e a liberdade do seu sentir e pensar. A meu ver, Saramago era acima de tudo e contra todos, um livre pensador, que não se deixava amarrar a “cartilhas” ou dogmas, de onde quer que viessem. Era um homem para quem, como diziam os clássicos, nada do que é humano lhe era estranho. Observava atentamente a humanidade a que pertencia, com a humildade de não  pretender ser mais do que qualquer um. Daí que as origens humildes e as recordações por vezes duras da  sua infância sejam guardadas em As Pequenas Memórias.

2-Qual é o seu livro preferido escrito pelo nosso Nobel?
R-O Memorial do Convento.

3-Razões dessa escolha?
R-Porque tudo no livro bate certo. O estilo barroco do Convento espelha-se  ironicamente  no estilo intencionalmente barroco da escrita. Nesse sentido  se encaixam outros dados do romance, como as referências a Scarlatti e à sua música, a evocação de uma época de riqueza, abundância e “prodígios” que adquirem um sentido metafórico, como a Passarola Voadora, instrumento de andar pelo ar, inventada pelo Padre Bartolomeu Lourenço de Gusmão. Os contrastes são igualmente característicos da época, que tem  o seu reverso de  barbárie e de infernos, como a miséria quotidiana e os autos-de-fé, encenados em Lisboa como grandes espectáculos de diversão. Contradizendo igualmente a pompa, grandeza e glória do Convento e do Rei, o romance é centrado no povo, nos operários da construção, e em pequenas histórias de indivíduos, como o par de amantes Baltazar-Blimunda. Não é preciso de alongar-me para vos dizer que é um livro a ler e reler.
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Teolinda Gersão, Escritora