“Ver o século XIX como o século perdido é bastante redutor”

1-Qual a ideia que esteve na origem deste seu novo livro Portugal e o Século XIX: Um Século Perdido ou o Século Possível?
R-A ideia que esteve na origem deste livro, bem como dos restantes ​quatro livros da coleção “três séculos de economia”, foi o de compreender a evolução d​as políticas de fomento económico em Portugal, analisando as medidas tomadas​ para impulsionar a economia e promover o seu crescimento aos longo de três séculos (do século XVIII ao actual), analisando cinco períodos distintos que se revelaram cruciais para a evolução da economia nacional até aos dias e hoje.

2-Como podemos resumir a economia portuguesa do Século XIX?
R-O século XIX português é considerado de forma geral como um século perdido. Perdido devido às invasões das tropas de Napoleão, que forçaram ao exílio da família real para o Brasil, cujas consequências anos mais tarde levaram à perda do Brasil, cuja independência teve um enorme impacto quer para a economia do Reino de Portugal quer para a sua influência europeia e global, pela guerra civil entre absolutistas e liberais na década de 30 e pelo mapa cor de rosa e o consequente ultimato da Inglaterra em 1890, que viria já no século XX a provocar o fim da monarquia.
No entanto, ver o século XIX como o século perdido é bastante redutor, porque apesar de ser marcadamente um século de instabilidade, ​sobretudo na primeira metade, foi também um século de resiliência e de progresso a partir de 1851, com a Regeneraçã​o​,  e com o Ministro Fontes Pereira de Melo no Ministério das Obras Públicas, e que deu início a um período de modernização e crescimento da economia portuguesa​, sobretudo através do investimento público na construção de vias de transporte (principalmente de estradas e caminhos de ferro, mas também na modernização e ampliação de portos marítimos e da instalação de redes de telégrafo) para conectar não só o país mas as ligações de Portugal à Europa e ao Mundo, e na concessão de licenças para a exploração mineira por privados.
No entanto, apesar de ser um período de desenvolvimento, no século XIX Portugal não dispunha de um mercado de capitais que atraísse a poupanças dos nacionais e as remessas dos emigrantes, o que levou a que o país fosse obrigado a recorrer ao financiamento externo nos mercados londrino e parisiense para as grandes obras, criando dívida externa, sobretudo pública, com graves consequências para a nossa economia, o que tem paralelo com a atualidade (crise da dívida soberana) mas também com uma diferença importante (a solidariedade europeia).
Resumindo, apesar de ser um século no qual Portugal perdeu a sua posição geopolítica de destaque, a verdade é que o país teve uma trajectória de crescimento económico, embora de uma forma muito menos acentuada que os restantes países, contribuindo para o seu progressivo atraso face aos restantes países europeus.

3-A nível económico, que ensinamentos podemos ir buscar a este século XIX para compreender o Portugal do século XXI?
R-A nível económico, podemos verificar que apesar das tentativas do Estado impulsionar a economia​ e modernizar o país, (sobretudo através do investimento em infraestruturas de transporte), este esforço não foi acompanhado pela iniciativa privada, que carecia de vários problemas, entre os quais a falta de empreendedores com visão; a falta de meios de financiamento (na primeira metade do século XIX a banca comercial resumia-se à existência de dois bancos criados pelo Estado e de uma caixa económica mutualista); a falta de mão de obra qualificada (em todo o século XIX, a maioria da população portuguesa nasceu, criou e trabalhou em meio rural. Em 1890, apenas 15% dos portugueses viviam em aglomerados urbanos de mais de 5.000 habitantes e a agricultura ocupava mais de 60% da população do país. Em 1878 apenas 20% da população de 6 ou mais anos era alfabetizada); e a falta de escala económica do país e de procura interna, ao contrário de outros países no mesmo período.
Felizmente no século XXI Portugal conseguiu contrariar a falta de instrução da sua população e terciarizou a sua economia o que nos permitiu desenvolver uma economia com alguns sectores de destaque. No entanto, no século actual é possível observar que os problemas de falta de escala e de procura interna, a falta de meios de investimento e a reduzida interconectividade entre as várias regiões do país (sobretudo entre o interior e o litoral), têm contribuído para acentuar as assimetrias territoriais.
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Fernando Ribeiro Mendes/Hugo Gonzalez de Oliveira
Portugal e o Século XIX: Um Século Perdido ou o Século Possível
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