King sobrenatural

CRÓNICA
| Rui Miguel Rocha

Um grande mestre com uma grande obra de literatura sobrenatural. King é um feliz e merecedor herdeiro de Poe. Neste livro magnífico – poucas personagens, poucos locais (um deles terrível), uma mestria em ir avançando dando pistas verdadeiras, sem desvendar, acrescentando os factos irreversíveis até à apoteose final. Mas também uma espécie de autobiografia de maus tratos sofridos e da sua própria luta contra os excessos do álcool e das drogas. Em “On Writing” confessou ter escrito vários livros sob o efeito e de, por essa razão, não se recordar do que tinha escrito. Mais tarde descobriu – como Jack no fim (para este tarde demais) – que era melhor pessoa e até escrevia melhor sem a influência.
Uma história de terror e amor num hotel muito bem pensado com as piores partes da história dos Estados Unidos no século XX metidas lá dentro. O estilo inconfundível e directo do autor, por vezes escondendo mensagens sérias – a violência doméstica, o racismo, o preconceito que atinge quem tenta recuperar -, outras vezes não escondendo nada: “os testículos de Hallorann transformaram-se em dois pequenos sacos engelhados, cheios de gelo picado.”
E um último parágrafo em jeito de até já, cheio de brilho, ou não fosse King o homem do The Shining: “- Danny, escuta. Vou falar-te disto uma só vez e nunca mais o farei. Há coisas que não se deviam dizer a uma criança de seis anos, mas as coisas quase nunca são o que deveriam ser. O mundo é duro, Danny. Não se importa connosco. Não nos odeia, mas também não gosta de nós, de mim e de ti. Acontecem coisas terríveis do mundo, coisas que ninguém pode explicar. As pessoas boas sofrem e morrem, e deixam sozinhos os seus entes queridos. Às vezes, parece que só os maus é que têm saúde e prosperam. O mundo não gosta de ti, mas a tua mãe gosta, e eu também. És um bom rapaz. Sofre pelo teu pai, e quando sentires que tens de chorar pelo que lhe aconteceu, mete-te na casa de banho ou debaixo da roupa da cama e chora até te fartares. Era assim que faria um bom filho. Mas, cautela, segue em frente. É a tua missão neste mundo difícil, manter vivo o teu amor e seguir em frente, aconteça o que acontecer.”
E assim, de 1977 para a Novos Livros de 2024, uma verdade importante: no meio do caos, agarrarmo-nos ao amor.
Brilhem por aí.
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Stephen King
The Shining
Bertrand  19,90€

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