A espera transforma-se em poesia, versos lindos, suaves e vegetais

CRÓNICA
| Rui Miguel Rocha

Devo dizer que se um amor destruído é capaz de gerar tamanha beleza, quase valeu a pena ter desmoronado. Um amor que acabou mas perdura, poemas que tentam arrebatar o que o corpo, de tão físico, não consegue. Trazer de volta sem trazer de volta, recomeçar com uma âncora às costas, fugir sem sair de casa.
A espera transforma-se em poesia, versos lindos, suaves e vegetais, envolventes como uma manta já velhinha, palavras que sabíamos existirem mas que nunca haviam estado juntas desta forma, tão bonita “Guarda tu agora o que eu, subitamente , perdi/talvez para sempre.” Parece o início de uma epopeia, será mesmo disso que se trata, não de uma guerra (já acontecida), não de uma viagem e seus perigos (já percorrida), muito menos de um regresso (impossível).
Tanta dor tão bem cantada, tanto sofrimento e solidão, tantos versos elegantes e desoladores “E fizeram as camas para sempre de lavado.”
Por vezes temos de fugir de nós ou reencontrar o que um dia fomos ou saltar o tempo para chegarmos a um futuro mais dócil “Escolheram ser outras pessoas. E, quando dizem mar,/têm olhos subitamente azuis e fazem gestos/que lembram o balanço das ondas junto ao porto.” Outras vezes ultrapassamos tudo coleccionando corpos de desconhecidos que não se querem nomear “Nunca nevou de madrugada no/teu quarto?” Poemas dolorosos e limpos, onde podemos escutar a solidão sentindo-nos, ao mesmo tempo, confortados.
Nomes, tantos nomes perdidos, porque todos vão dar apenas a um que desapareceu para ficar para sempre “Deixa//o teu nome no pomar durante a noite.” Pessoas e coisas e paisagens, para que servem afinal? São uma espécie de aparição ao fundo, como que separadas pela gase dos dias “houve sempre coisas de esguelha nas paisagens.”
Se fosse um teórico diria que este outro poético, o amante para sempre desaparecido, poderá nunca ter existido, mas, como não o sou, ele existiu e permanecerá para sempre, mesmo que a poeta diga que “eu já não tenho mais nenhum/espelho contigo dentro.” E, como uma Penélope contemporânea: “Tenho os olhos azuis de tanto os ter lançado ao mar”.
Existe sempre uma noção de implacabilidade em tudo o que ocorre, de predestinação maldita, porque não morremos ao mesmo tempo dos que amamos, porque não vamos primeiro? Apesar de tudo, “o/destino nunca se engana no nosso nome.”
Até chegarmos à despedida quase definitiva “Perdoem-me os que//ainda esperam por mim. Não sei se volto.”
Nós esperamos, poeta, nós esperamos.
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Maria do Rosário Pedreira
Poesia Reunida
Quetzal

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