A palavra é uma arma

Luis
Sepúlveda é um daqueles (poucos) escritores que nos acorda. As suas palavras
simples mas certeiras têm a rara capacidade de nos lembrar – suavemente ou como
um murro no estômago – que a vida é mais do que este torpor angustiado em que
nos arrastamos pelos dias, com a crise e o medo do presente e do futuro a
anestesiar-nos e a tolher-nos a ação, onde até a mais sentida revolta se apaga
num grito calado no fundo da garganta.
Seja no
seu belíssimo registo ficcional ou através de crónicas que nos trazem o mundo
de volta numa reunião de amigos, num almoço de família, na greve dos mineiros
ou na grande chantagem política e financeira, um livro de Sepúlveda é sempre um
sobressalto emocional. A vida é tudo isso e se soubermos honrá-la a felicidade
ainda é possível, porque a derrota, por muito dolorosa, terá de ser um
intervalo até à próxima batalha.
Depois do
empenhado “Últimas notícias do sul” e do comovente “História de um gato e de um
rato que se tornaram amigos”, o escritor chileno regressa com “Palavras em
tempos de crise”, um conjunto de 27 histórias de memórias e afetos, compromisso
político, reflexões. No seu estilo de escrita límpida e eloquente, sem medo das
palavras.
As
histórias que Luis Sepúlveda agora nos traz não têm um tempo totalmente
definido, são de ontem e de hoje, de sempre. Há de tudo um pouco, numa
miscelânea intensa com um fio condutor pelo qual Sepúlveda nos guia como só ele
sabe: do prazer de reunir a família à volta do churrasco que “é assunto do
velho”, ou seja, dele hoje como antes de seu pai; dos escritores que em várias
latitudes dão voz aos que não têm voz; dos mineiros das Astúrias em greve pelo
direito ao trabalho; do aterrador assassínio em massa de jovens socialistas em
Utoya, na Noruega; do almoço em Valparaíso com Gabriel García Márquez, quando o
comensal da mesa do lado se aproxima de Gabo e lhe diz que é muito parecido com
o escritor, mas mais velho e mais feio; da amizade com José Saramago e Pilar,
recordada pelo filme de Miguel Gonçalves Mendes; ou da última lembrança de
Salvador Allende vivo, revivida no cemitério de Santiago por quatro amigos que
fizeram parte da segurança do Presidente. Sem esquecer “a pior crise provocada
pelos especuladores e os banqueiros, por esse miserável 1 por cento da humanidade
que se apropriou de 99 por cento da riqueza planetária”.
Histórias que têm pessoas,
umas conhecidas outras anónimas, capazes de grandes feitos ou de simples gestos
de enorme solidariedade. Todos heróis, tão frágeis como corajosos.
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Luis
Sepúlveda
Palavras em Tempos de Crise
Porto
Editora, 13,30€