Chanel: Qual é a fragrância do amor?
CRÓNICA
| Célia Gomes
Qual é a fragrância do amor? Jasmim, sândalo, almíscar ou o aroma exalado por corpos entrelaçados em noites de verão? François Coty, neste livro, confidencia que o segredo é a maneira como cheiramos «Se não cheirássemos com o coração, os perfumes não teriam magia». Mais do que a história do eterno perfume «Chanel 5», este livro emana o bouquet intenso de muitos perfumes. Desde logo a fragrância dos loucos anos 20 com a intensidade do viver, do usufruir, de ser visto e invejado. Também pairam no ar os odores de exuberantes paixões, de melancolias e das amargas recordações de infância que marcaram «Mademoiselle Chanel». Marca maior foi a deixada por Boy, o amante, que morreu subitamente e daí o desejo daquela de encontrar o aroma perfeito para o homenagear. Boy, talvez o único amor que marcou a sua vida, «pensou que tudo o que fazia estava relacionado com Boy. Com mais nada e com mais ninguém. Nem sequer com ela mesmo». Não acontece isto a todos nós quando amamos desesperadamente? Aroma floral e constante ao longo da história é o de Misia, a amiga, a cúmplice a conselheira E segue-se o aroma dos artistas que circulam neste livro, fazendo dele palco onde despem as suas vestes intocáveis e se revelam como homens, com a sua fragilidade, génio e fraqueza. E é desta massa que todos nós somos feitos. O aroma de Stravinsky, um miserável rico em melodia e em paixão. Stravisnky que teve o condão de com a sua «sagração da Primavera» embriagar Gabrielle, transformando os eufonias em setas de cupido que momentaneamente atingiram a musa da moda «A música embelezava até mesmo o homem menos atraente, sobretudo se tocava para uma mulher». Aroma a música que se evaporou, ficando apenas, para Gabrielle, as voláteis notas de entrada. Já notas de fundo foram exaladas por Dimitri, descendente de czares da Rússia, que perfumou Coco com desejo- «ambos eram adultos, sabiam onde se metiam. Não tiravam nada a ninguém e dariam muito um ao outro», com champanhe, «champanhe, pensou, esta noite beberemos champanhe. E sentiu um formigueiro a percorrer-lhe o corpo». Quem não sentiria? Mas para além de exalar perfume, abriu, à amante, as portas do universo perfumado de Beaux, o perfumista conhecedor do «le bouquet de Catherine» e criador do famoso Chanel 5, «é aquilo que eu esperava: um aroma diferente, inigualável. O perfume para mulheres com o odor a modernidade». «Uma mulher sem perfume é uma mulher sem futuro» e uma mulher sem amor? Para além destes aromas, pairam nas páginas muitas «notas de corpo» exaladas por Jean Cocteau, amigo íntimo de Coco e que pulverizava serões e festas com excentricidade, arte e poesia. (Quem não gostaria de ter um Cocteau por amigo?) E por falar em arte, cheiremos o perfume de Picasso. Com que intensidade perfumou a vida de Mademoiselle Chanel? A escritora deixa em aberto «você é a minha salvação, Coco. Vou perder a cabeça. A vida com Olga é claustrofóbica. Posso ficar aqui consigo?» Será, que a frase “no mundo nada mais existe a não ser o amor. Qualquer que ele seja», foi inspirada em Coco? Quem sabe? Sabemos é que, nesta obra, Michelle Marly foi mestre em perfumar descrições de cidades, espaços, festas, moda, arte, com gotículas de glamour e elegância. Que mais resta dizer? Resta, finda a leitura do livro, lembrar Pablo Neruda, por também Gabrielle «levar um invisível rio nas suas veias», aliás não sei se rio se um mar. Um mar onde se reproduzem ostras premiadas com pérolas que adornavam as suas criações.
Por último, resta um aviso. Quem saboreia este livro corre o risco de ser acometido por uma irresistível vontade de voar para Paris, alojar-se no Ritz, pedir uma garrafa de champanhe e brindar «Za liubov»! Ao amor, sempre ao amor.
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Michelle Marly
Mademoiselle Chanel e o perfume do amor
Planeta 16,50€