Gonçalo M. Tavares: História fragmentada do mundo

CRÓNICA
| Rui Miguel Rocha

Excelente ideia esta de pegar na fragmentada história do mundo e pensar sobre ela e inquietar-se tranquilamente, desinquietando-nos a nós. Textos pequenos, por vezes poemas, por vezes declarações eruditas. Mas também desabafos e objectores de consciência e objectos esquecidos, lamentos, vivas, clarificações e dúvidas. Como dizem os ingleses “you name it”!
Escritor exímio, letal como um punhal. Levar o assunto ao limite, que pode não ser o fundo de tudo mas que arranha a superfície com um saber enciclopédico.
O ser humano num mundo enlouquecido desde sempre por causa própria. Estariam os animais, as plantas e os fungos bem melhor sem a máquina e quem a fez. “O grande sinal aí está: diante do evidente, nada entendemos.”
Em frente à revolução nada somos senão uma parte arrancada ao todo, o indivíduo como uma experiência colectiva, descontando os sacrificados, é claro “até a Revolução Francesa cortou cabeças excelentes.”
A História avança por saltos ou cada segundo conta? O que acontece quando nada parece acontecer? “Entre dois acontecimentos há sempre demasiado chão possível.” Pois claro e também, como diria Cesariny “todo o amplexo do ar.”
E há sempre encruzilhadas, charneiras, dias-alavanca onde parece tudo acontecer ao mesmo tempo como uma coreografia bem treinada e suor e sangue à mistura para lavar o dia pálido “dia como os anteriores, mas distinto dos seguintes.”
A história do mundo é também a das separações: cabeças de corpos, cidades divididas ao meio, amantes despedaçados: “cortado em dois, o que é um fica de imediato menos de meio.” E mesmo quando se deitam abaixo as barreiras, é sabido perante os homens que “nenhum solo sem muro ficará assim para sempre.”
Um livro pequeno cheio de coisas dentro. Se nos leva a sermos melhores? É duvidoso tendo em conta as coisas que lá vêm dentro, representando, como se fossem instrumentos de uma tragédia, muito do pior do ser humano conhecido.
No fim devemos sempre contar com a bondade ocasional pois “nem todos os gestos nobres são distribuídos pelos nobres”.
Até muito pelo contrário.
Digo eu.
Este fica na estante à vista.
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Gonçalo M. Tavares
As Botas de Mussolini
Relógio d’Água  16,50€

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