Irene Flunser Pimentel: “Os informadores da PIDE/DGS estavam disseminados por toda a sociedade”

P-Qual a ideia que esteve na origem deste seu livro «Informadores da PIDE-Uma Tragédia Portuguesa»?
R-Pensei que, quase 50 anos após 25 de Abril, e face a confusões a que tenho vindo a assistir sobre o tema, seria interessante falar de algo que, quanto a mim, foi varrido por debaixo do tapete, nos anos posteriores a essa data. E é um facto terrível, ao qual chamei tragédia: o facto de, durante anos, o Estado ditatorial português e  sua polícia política ter pago a informadores, a pessoas que, no seio da população, traíram vizinhos, colegas de trabalho e de escola, pelo simples facto e a sua vida privada ou opinião política não ser a do regime. Além do mais, a sua existência em tão grande número contribuiu para fazer da portuguesa uma sociedade de desconfiança e traição.

P-O seu livro refere que terão sido muitos milhares os informadores: que razões explicam este número?
R-Foram milhares, porque a própria ditadura durou muitos e muitos anos e porque infelizmente o ser humano é capaz do pior (e do melhor). Apesar de sermos educados para não “ser queixinhas”, não delatar ou denunciar o outro à traição, ao ouvido da polícia, em benefício próprio, o facto é que a miséria material e moral  de muitos tornou possível que se tornassem informadores. A maior parte deles não informava a polícia política por razões ideológicas, por exemplo, por apoiarem o regime, mas por dinheiro e pelos mais baixos sentimentos: inveja, eliminar um rival, querer o lugar de outro.

P-Podemos dizer que o contributo dos informadores estava bem organizado e estruturado centralmente na polícia política ou subsistiam também outras maneiras dos informadores exercerem a delação informalmente?
R-Muitos inspectores, chefes de brigada E ATÉ AGENTES, até ao topo da PIDE/DGS tinham os seus próprios informadores, que recrutavam e “geriam”. Outros informadores ofereciam-se como informadores e eram ou não aceites. O que reparei é que há inúmeras cartas dirigidas ao ministério do Interior, e por este à PIDE/DGS, de “candidatos”  a informador. Muitos destes nem eram aceites pela polícia política, pois não tinham acesso aos meios da oposição ou até eram analfabetos. Havia também aqueles que, para aparentarem que partilhavam o poder e a autoridade do regime, se diziam informadores e não o eram. Outros eram-no, mas sem acesso a muitas informações, inventavam-nas, para justificar o dinheiro recebido. Depois, havia as cartas de denúncia, muitas vezes assinadas com pseudónimos, por exemplo: “um servidor da Nação”, ou “a Bem da Nação”.

P-Ser informador é um fenómeno disseminado pela sociedade ou concentrado de alguma forma em termos geográficos, etários, profissionais ou de classe?
R-Em primeiro lugar, há que dizer que todos os regimes ditatoriais têm polícia política e informadores. Aliás, a PJ e a PSP também tinham (e têm até em democracia) informadores. O que caracteriza os informadores da polícia política de uma ditadura é que eles denunciam aspectos da vida privada  e do pensamento político das pessoas, criminalizados por esse regime. Os informadores da PIDE/DGS estavam disseminados por toda a sociedade, de alto a baixo. Havia cauteleiros, operários, desempregados, camponeses (na maioria, pois os mais pobres eram também os mais numerosos) mas também médicos, padres, presidentes de Câmara, estudantes ou professores universitários. Era mais difícil ser informador ou recrutado para isso a sul do que a norte e evidentemente era nas grandes cidades e empresas que a PIDE/DGS tentava recrutar. Nos locais de implantação comunista, como o Couço ou Alpiarça, os informadores eram conhecidos e por isso produziam poucos “estragos”.

P-E que importância teve a acção desta rede na manutenção da ditadura ao longo de 48 anos?
R-Como a polícia política contribuiu para a manutenção da longa ditadura em Portugal, ao perseguir e reprimir os que se opunham a ela e, ao mesmo tempo, ao difundir a passividade política através do medo do que poderia acontecer em caso de resistência, os informadores que com ela colaboravam eram os tentáculos e os olhos e ouvidos dessa polícia. Possibilitavam que a polícia não tivesse muitos agentes, pois eles eram os ajudantes no seu trabalho de detecção e de repressão. Os numerosos informadores não só denunciavam o estado de espírito das populações, como as lutas e as tentativas de derrube do regime, como contribuíam para a prisão dos que resistiam à ditadura. Por outro lado, ao saber-se que eles existiam e estavam por muitos lados contribuiu para calar as pessoas, convictas de que eles, portanto, a polícia, estavam por todo o lado. O que não acontecia na realidade, o problema era não saber onde estavam.

P-Apesar da dimensão e disseminação pelo território, no pós-25 de Abril, tudo decorreu como se esta realidade quase não existisse: a democracia foi benevolente?
R-Logo a seguir ao 25 de Abril, houve muitas denúncias de informadores, até de pessoas que não o eram. Pode-se dizer que, já mal vistos antes de 25 de Abril, eles foram especialmente “diabolizados” no pós-25 Abril. Alguns, detectados, foram presos e julgados, tal como  foram os membros da polícia política. Mas após pouco tempo presos, foram libertados. Por outro lado, muitos deles não foram detectados, pois a própria PIDE/DGS destruiu os ficheiros de informadores, que relacionavam os pseudónimos com os nomes verdadeiros. Mais do que benevolente, a democracia acabou por esquecer a existência de informadores. Trata-se de uma memória traumática, ligada ao esquecimento.
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Irene Flunser Pimentel
Informadores da PIDE: uma Tragédia Portuguesa
Temas e Debates  20,90€

Irene Flunser Pimentel na “Novos Livros” | Entrevistas

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