João Rodrigues: “A onda neoliberal já não é tão forte, há mais rejeição, dados os seus resultados desastrosos”
P-Qual a ideia que esteve na origem deste seu livro «O Neoliberalismo não é um Slogan»?
R-Apresentar de uma forma relativamente acessível e crítica os principais contornos da ideologia neoliberal, um conjunto de ideias poderosas com lastro histórico e institucional, rejeitando a ideia de que se trata de um conjunto de slogans inventados pelos seus críticos. Ao mesmo tempo, o livro procura apresentar as grandes linhas de uma alternativa socialista, começando pelo resgate da soberania democrática na economia sempre política.
P-De que forma as ideias (e as práticas) neoliberais estão a colocar em causa a democracia e a sua relação com os cidadãos gerando descontentamento e abrindo portas a situações populistas e pouco (ou nada) democráticas?
R-Um dos principais objetivos das ideias neoliberais – e, logo, um dos seus principais efeitos – foi o de alimentar institucionalmente a impotência democrática de demasiados Estados, através da construção de um capitalismo supranacional, ao mesmo tempo que foram eliminados instrumentos de política económica à escala nacional ou transferidos para instituições supranacionais autónomas em relação à democracia. Neste contexto, multiplicam-se as crises e as reações ditas populistas, sendo que o “populismo” é muitas vezes o nome que a elite usa para descrever tudo aquilo que vai contra os seus interesses bem protegidos.
P-Em Portugal, que expressão e influência têm as ideias neoliberais?
R-Desde os anos oitenta, em particular desde o cavaquismo, as ideias neoliberais ganharam uma hegemonia indiscutível. Portugal foi um dos países de economia mista onde mais empresas estratégicas foram privatizadas ou onde foi mais longe a abdicação da soberania económica, graças à integração europeia, só para dar dois exemplos.
P-Há alguma originalidade no neoliberalismo “à portuguesa” ou a cartilha é a mesma de outros países?
R-O neoliberalismo à portuguesa é indissociável da viragem neoliberal na integração europeia, codificada no Tratado de Maastricht. Simultaneamente, o neoliberalismo à portuguesa define-se negativamente pela oposição à Constituição económica de 1976, revista em 1989, e pela necessidade de acomodar e diluir vagarosamente um acervo de conquistas associado ao Estado social criado pela revolução democrática.
P-Quando assumem o poder, os governos inspirados pelos princípios neoliberais têm gerado mais desigualdade, mais pobreza, piores condições de vida e recuos nos direitos mas nem sempre os eleitores entendem essa situação: porquê?
R-Em primeiro lugar, é preciso ter em conta o domínio das ideias neoliberais na Economia, a mais poderosa das ciências sociais, e no espaço público, em particular através de uma comunicação social monolítica neste campo. Em segundo lugar, os setores que beneficiaram com o neoliberalismo são bastante poderosos e têm cada vez mais recursos económicos que transformam em influência política. Em terceiro lugar, as derrotas das alternativas sistémicas enraizaram a ideia de que não é possível sair desta linha. Em quarto lugar, muitas forças supostamente alternativas conformaram-se com a inevitabilidade da globalização, uma construção neoliberal.
P-Com a onda neoliberal a ganhar não só adeptos mas também eleições, ainda estamos a tempo de travar o seu avanço?
R-A questão é qual a direção intelectual e política do contramovimento de proteção das sociedades nacionais.
P-A ideia que se pretende instalar é a de que não há alternativa: o que pode ser feito para criar e robustecer uma outra realidade?
R-Há uma formulação de Milton Frideman, um dos autores neoliberais de referência, que os socialistas devem reter e que é citada logo no início do livro: “Apenas uma crise – real ou percebida – produz mudanças concretas. Quando essa crise acontece, as medidas tomadas dependem das ideias que temos ao nosso dispor. Essa, creio eu, é a nossa função básica: criar alternativas às políticas existentes, mantê‑las vivas e disponíveis até que o politicamente impossível se torne o politicamente inevitável”.
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João Rodrigues
O Neoliberalismo não é um slogan
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