Jorge Paiva e o seu amigo: o cão-guia Zangão

1-Qual a ideia que esteve na origem deste livro “Nasci de Novo”?
R- Na realidade, decidi escrever este livro quando o mesmo já se encontrava parcialmente escrito! Como?! Isso mesmo. Eu comecei por ter como objetivo, passar para o papel um rascunho das minhas memórias vividas durante o meu estágio para utilizador de cão-guia (Capítulo 1 do livro). Na altura, sem saber, estava a viver um momento que iria transformar por completo a minha vida; foi assim como que “nascer de novo”! Entretanto e já nessa fase, surgiu a ideia de aproveitar esses escritos e escrever um livro onde contasse as histórias inspiradoras e transformadoras vividas com o meu cão Zangão! Na minha vida, tudo aconteceu muito rápido a partir do momento em que vim de Mortágua de volta a casa e ao Porto, com o meu cão guia Zangão: Começámos por conviver e viajar muito com outra cadela guia e a sua utilizadora. Eu praticamente não me refiro a esta fase durante os episódios que conto, porque este período foi apenas uma etapa no processo de aprendizagem, no qual nos deslocamos sempre com pessoas que vêm e portanto ainda não estava no momento de independência e autonomia que este livro pretende promover. Mas, ainda que algo inconsciente, a vontade de romper com uma longa fase de sofrimento em que a minha vida se tinha transformado nas últimas décadas, sobretudo a nível profissional, que nada têm a ver com a condição de pessoa com deficiência, desenvolvendo tarefas em “piloto automático” por rotina e obrigação, estava latente. E, um almoço em Aveiro em Outubro de 2017, ao qual eu até era para não ir, foi o gatilho mental. Poucas semanas depois estava a iniciar um processo de transferência gradual do meu centro de interesses para Lisboa e, em sequência disso, a tomada de consciência de que, com a vida que levava, sobretudo a nível profissional, nunca iria atingir os meus sonhos e viver uma existência plena. Limitava-me a deixar-me levar pela espuma dos dias! Ao mesmo tempo, aliando a minha vontade de me transformar e seguir em frente, com a experiência absorvida de uma outra pessoa cega, utilizadora de cão-guia, em lidar com aquela que era a minha recente condição, ganhei coragem para romper com o passado de estagnação e seguir em frente. Com o meu cão Zangão a minha vida, a minha independência, muito rapidamente atingiu um nível que eu nunca esperava. Depois de ter constatado isso para mim próprio e de viver uma realidade que eu, antes de ter cão-guia, nem sequer imaginava ser possível, senti a vontade de mostrar isso, sobretudo junto de outras pessoas cegas, para que, querendo e sendo o caso, se pudessem libertar. Assim, espero muito modestamente que com este livro, possa ajudar a divulgar o cão-guia como uma incrível e decisiva forma de uma pessoa cega ou sem visão útil se deslocar com independência, autonomia, mobilidade e segurança.

2 – De que forma o seu cão-guia Zangão transformou a sua vida?
R-Existe uma forma direta, visível e imediata mas, uma outra mais profunda e muito mais impactante! Desde logo, o meu cão-guia permitiu-me recuperar toda a minha autonomia, mobilidade, independência e segurança. No meu entendimento, cada uma destas quatro palavras é, por si, muito poderosa. São valores essenciais à vida humana e que, tantas vezes, apenas valorizamos devidamente perante uma circunstância de perda. Quando se é cego, poder movimentar-se em espaço aberto, conhecido ou não, ao ritmo que se retende e sem medos ou reservas, é algo que, quando decorre de alguma privação disso mesmo, tem um valor infinito. Mas, o meu cão-guia Zangão transformou a minha vida, de uma forma muito mais profunda! Como eu refiro na nota de abertura do meu livro, eu vivia acomodado, quer pessoal, quer profissionalmente, agarrado a uma carreira de economista e gestor de mais de vinte anos, numa empresa de consultoria financeira e fiscal, na qual sobrevivia (que há muito tempo não me acrescentava qualquer valor) e na qual me “arrastava”, por obrigação e responsabilidade. Entretanto, a partir do momento em que consegui o meu cão-guia, comecei a traçar novos horizontes, a viajar, a conhecer pessoas e, em poucos meses estava a mudar o meu centro de interesses para Lisboa, passando dois ou três dias por semana no Porto e, os restantes em teletrabalho no sul, muito antes do impacto que esta modalidade veio a ter nas relações de trabalho. Então, num daqueles exercícios de introspeção que por vezes fazemos, cheguei à conclusão que, naquele enquadramento profissional, apenas me iria “arrastar” ao longo dos anos, não sendo já capaz de acrescentar nada de relevante à minha vida, nem realizar quaisquer sonhos. Num processo de decisão que mesmo assim demorou alguns meses, acabei por me conseguir libertar e “levantar voo” para uma nova existência; foi e é uma sensação de liberdade incrível! Com muitos custos mas está a valer a pena. Em síntese, sem que tal se relacione diretamente com aquilo para que me foi entregue, foi este o tremendo e brutal impacto que o meu cão-guia Zangão aportou à minha vida! Foi como começar uma nova existência; foi como nascer de novo!

3-Que história vivida com o Zangão considera mais significativa para si?
R-Bem; as histórias e episódios são tantos e continuam a acontecer todos os dias que, é difícil escolher um momento! Desde andar de avião com um cão na cabine, à estar em Fez numa sexta-feira às 13h e viver ao vivo a atmosfera incrível do chamamento para a oração, às primeiras viagens sozinhos por Albufeira ou Portimão, locais onde nunca tinha estado antes, Fátima em 12 e 13 de Maio e tantos outros. Mas, talvez elegeria o princípio de tudo: a primeira vez que caminhei com o meu cão, em estágio, pelas calçadas de Mortágua, ainda um pouco a medo e com o educador a dizer-me “Não te preocupes; o teu cão não te vai deixar chocar com nada, desde que caminhes junto às suas patas de trás”! Aquilo era mesmo verdade; estava a acontecer! Uma sensação de liberdade indescritível.
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Jorge Paiva
Nasci de Novo
Editora 5 Livros  24,97€

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