Manuel S. Fonseca: “Um livro de festa”
1-Qual a ideia que esteve na origem deste livro?
R-Este livro quis ser – e é – um livro de festa. O 25 de Abril foi, antes de mais, uma acção militar feita por uns capitães que, alguns deles pelo menos, tinham menos de 30 anos. Mas já tinham a experiência da guerra e da dor. E queriam pôr fim a essa situação de risco e perda. Queriam acabar com uma guerra que nunca poderiam ganhar politicamente. Ora, isso podia ter sido feito com brutalidade e sangue. Mas não, foi feito com inocência, com uma delirante liberdade, a que o povo português aderiu, numa catarse, diria mesmo, num destrambelhamento colectivo. A juventude dos militares e o alegre desregramento popular fizeram do 25 de Abril um momento historicamente feliz e eu acho que a felicidade dá bons livros.
2-O PREC foi um período de alguma turbulência, mas permitiu que as ruas se enchessem de imagens e palavras de ordem irreverentes, certeiras e também com muito humor. Ao revisitar esse tempo 50 anos depois qual foi a sua principal sensação?
R-O que mais me impressiona e me fascina é a esplendorosa criatividade popular. A começar nas frases mais inocentes e ainda tímidas, e a acabar no profundíssimo humor dos anarquistas, na explosão surreal da linguagem, e na explosão libidinosa também. Foi como se o 25 de Abril tivesse funcionado como um destrava-línguas: nos cartazes, nas paredes, nos comícios, nas manifs o povo português desabafou de uma forma homérica.
3-Quais as frases que mais o marcaram ou surpreenderam?
R-Eu agora tenho um problema. Às frases de Abril, neste livro, juntaram-se os desenhos do grande Nuno Saraiva. E esses desenhos, tão divertidos, contaminaram a minha memória. O Nuno foi particularmente feliz a recuperar a tensão erótica daqueles dias. Quando se vê a ilustração dele, a frase “Mais uma na mão do que duas no soutien” ganha logo outro ardor. Mas a minha favorita, decididamente, e na mesma linha, é “Abaixo os Organismos de cúpula, vivam os organismos de cópula.” É todo um programa para solucionar o nosso actual problema demográfico.
__________
Manuel S. Fonseca/Nuno Saraiva (ilustrações)
25 de Abril-No Princípio era o Verbo
Guerra e Paz 16€
Manuel S. Fonseca na “Novos Livros” | Entrevistas