Mário Cláudio: Ironia para parodiar a actualidade

CRÓNICA
| Rui Miguel Rocha

Volto sempre com vontade aos livros de Mário Cláudio, por vezes demoro um pouco a entrar neles, a acomodar os ombros à prosa esmerada e minuciosa, a concentrar-me sem desvarios, como se entrasse num lugar íntimo há muito abandonado.
Ainda na livraria, quando o subtraí à estante e aos seus vizinhos – de um lado uma nobelizada autofágica e do outro um autor cujo nome não recordo – , fiquei-me pelo título e não precisei de mais. “Teoria das Nuvens” evoca algo de onírico, mas também alguma abstracção, assim como um possível regresso ao início de tudo, ao começo de todas as coisas. Mas não será bem isso o que lá dentro nos enfrenta ou porventura de alguma maneira sim. Porque a actualidade assombra com personagens que seriam caricaturais se não existissem, mas existem. E a antiguidade também, alimentada por seres dignos, parodiados pelas suas próprias circunstâncias. O alfa e o omega, sendo que a inevitabilidade de existir o segundo se deve, como não poderia deixar de ser, ao somatório de parvoíces de uma muito pretérita história.
O autor recorre à ironia mas não ao sarcasmo para parodiar a actualidade, ao mesmo tempo exposta aos nossos olhos numa inteligente mistura de realismo e impressionismo, pinceladas certeiras alternando com uma névoa por onde passam espectros. Tudo com um humor pudico sem aviltamento e com a erudição costumeira.
Mistura de realidade e ficção, a ponto de o narrador incluir o próprio autor como casual interveniente – no caso como receptador de obra de arte e mais tarde como base de um plátano e outros quejandos.
Da erudição à poesia, mesmo tratando-se de romancista, lê-se: “Esgota-se a madrugada no latido de um cão…e ela abisma-se na intacta escuridão.” E, sendo de céu e enevoamentos o título e o que lá vai dentro, “é nos seus olhos que as nuvens correm”, e correm pela cidade do Porto, com um tributo à anódina Alicantina, não sabendo nós até o lermos que “todas as cidades envelhecem à medida dos seus velhos, e todas endoidecem à dimensão dos seus doidos.”
Uma história lenta que vale pela linguagem barroca com que é descrita e pela cartilha humorística pequeno-burguesa e proletária do país actual.
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Mário Cláudio
Teoria das Nuvens
Público. D. Quixote  16,60€

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