Stephen King faz um retrato brilhante dos anos 60
CRÓNICA
| Rui Miguel Rocha
900 páginas depois, gostaria de começar tudo novamente, como se tratasse de uma verdadeira viagem no tempo. E no fundo tudo é assim, um pouco inocente até chegarmos ao ponto da necessária brutalidade. De que serve salvar JFK? Eu, por minha parte, salvaria Lennon, ou o meu avô que morreu cedo. Andamos pelo mundo e vemos de tudo, inocentes e culpados, uns que se julgam outros, mas “encontramos sempre desculpas para manter os nossos maus hábitos.”
O que farias? O que realmente farias se pudesses mudar tudo? Sem remorsos, sem olhar para trás? O corolário deste livro é “a vida muda num instante e quase não damos por isso”, um tropeção, uma doença, uma notícia feliz, uma sorte ou um azar. Ou uma coincidência, das que gosto, onde me encontro sempre perdido e encontrado, como com Brown Sugar dos Stones, aqui neste livro e no que estou a ler a seguir do Murakami. “As coincidências existem, mas comecei a acreditar que são verdadeiramente raras. Existem forças em movimento, certo? Algures no universo (ou para lá dele), uma grande máquina faz tiquetaque e gira as duas engrenagens mirabolantes.”
Um retrato brilhante dos anos 60, onde toda a gente fuma sem remorsos e deita lixo para o chão, onde o racismo era a normalidade e a divisão entre a humanidade era encarado como normal.
Claro que é possível viajar no tempo, fazê-mo-lo constantemente nos sonhos e acordados, somos crononautas “os viajantes no tempo fartam-se de mentir.”
900 páginas para chegarmos à conclusão que nos devemos deixar ir, não conseguiremos nunca dominar todas as incógnitas, daí o seu nome “nunca sabemos que vidas influenciamos, nem quando, nem porquê. Até o futuro devorar o presente. Só sabemos quando é demasiado tarde.”
E só o amor permanece, mesmo nos reinícios, principalmente aí, quando se pensa começar tudo de novo como nunca nada se tivesse passado.
“A vida é demasiado bela para nos rendermos sem lutar, não acha?”
Acho.
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Stephen King
22/11/63
Bertrand Editora 24,40€