José Eduardo Carvalho: Economia e COVID-19


1 – Como pode a Economia lidar com uma pandemia que pôs tudo em causa?

R – É preciso clarificar a causa. Onde está a causa? A economia somos nós. A economia é o resultado da nossa vida de todos os dias. Umas vezes decidimos bem, outras nem tanto. A catástrofe que agora nos assola tem causa humana. Porquê? Pela crescente obsessão pelo entretenimento, suportada em hinos ao lazer, às férias, às viagens, socialmente motivada pelo fenómeno que o economista americano Galbraith chamou de “cultura do contentamento”. A vida de puro entretenimento tornou-se tão cómoda, previsível e prática que se gerou um sentimento de invulnerabilidade. Em circunstâncias normais, as viagens são uma fonte de prazer pessoal. Mas, com um vírus, como o Sars-Cov-2 à solta, transformaram-se numa arma de destruição maciça. É uma torrente imparável de gente a ir, a vir, a disseminar o vírus. As epidemias deslocam-se entre os continentes através de viagens e algumas possuem ciclos de aparecimento. A globalização transformou a relação entre humanos e vírus. A cultura do contentamento trás muita satisfação e um sentimento renovado de auto-confiança mas, por outro lado, bloqueia a visão e a percepção de todos os aspectos problemáticos da vida em sociedade. Contudo, como os contentes e satisfeitos são muitos torna-se difícil qualquer mudança.

2 – Será já possível antever a profundidade e a amplitude dos efeitos da pandemia na Economia e na vida das pessoas?

R – Relativamente ao impacto na economia, naturalmente, cada país e cada população sofre os acontecimentos de forma diferente consoante as respectivas características naturais, económicas e sociais. Na situação presente constata-se que os países, que assentaram a economia numa parcela importante no sector do turismo – o caso de Portugal – estão a ser notoriamente mais atingidos pelas consequências da recessão, sobretudo com impacto no desemprego.  O FMI e o próprio Banco de Portugal não têm deixado de alertar que a dependência excessiva do turismo deixa Portugal vulnerável a choques externos na economia. Estarmos dependentes de uma única fileira económica pode constituir um erro histórico, A economia de turismo é uma economia de risco. Enquanto uma percentagem significativa dos agentes económicos – empresas e famílias – apostarem exclusivamente nesta via, os riscos serão sempre uma eventualidade. Enquanto o negócio corre de feição, tudo bem, e quanto menos impostos se pagarem melhor. Quando a crise surge, toda agente crítica o Estado, mas espera que o Estado resolva, que o Estado subsidie. A ideia é que o Estado deve fazer tudo, pensar em tudo, assegurar tudo. Clama-se pela intervenção do papel do Estado para equacionar os problemas da sociedade do contentamento, fazendo tábua rasa à gestão das contas públicas. Quanto ao efeito na saúde das pessoas, importa relativizar a “pandemia de informação” que grassa na comunicação social. O modo cético e contundente como as notícias são divulgadas nos media – números de infetados, internados e óbitos – ganha uma relevância desmedida e preocupação acrescida na população. Há outras doenças a matar anualmente mais pessoas do que a COVID-19, inclusive outras gripes (mais de 3 mil) e pneumonias (mais de 5 mil). Daí que, não ignorando os cuidados que o novo coronavírus deve merecer, importa não esquecer que nenhuma das outras doenças que já existiam desapareceu.

3 – Com a sua reflexão sobre o que estamos a viver, qual será o «novo normal» que se está a desenhar nos sinais que foi recolhendo?

R – O “novo normal” é uma aposta para tripla. O futuro é subjuntivo, isto é, apresenta-se de forma incerta. Temos de nos habituar a viver permanentemente com um plano de contingência com os vírus e bactérias. Esta não foi a primeira pandemia que atingiu a humanidade e não será a última. No estado de incerteza que vivemos, sou cético à obsessão das projeções económicas para o PIB, uma métrica imprecisa e excessivamente valorizada.  As projeções que mostro no livro não surpreendem pela novidade; são tradicionais e conhecidas, mas evidenciam alguma incredibilidade, variando ao sabor de “cada cabeça, sua sentença”. Para 2020 apontam-se alternativas que vão desde -3,4 a -20 por cento. Os cálculos foram coligidos com o fenómeno em andamento, pelo que hoje, com mais dados disponíveis, a probabilidade está mais próxima do patamar superior. Podemos antecipar a necessidade de alguma desglobalização, no sentido, por exemplo, refrear a excessiva dependência da Europa, comercial e produtiva, do bloco asiático.  Há alguma similaridade com a diferença evidente na vida quotidiana de hoje, quando se deixa de ir ao mercado e optamos pelos hipermercados. O acto é puramente funcional. A relação com as coisas sobrepõe-se totalmente à relação entre as pessoas.
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José Eduardo Carvalho
Economia COVID-19
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