Leonel R. Santos: “O Jazz é uma paixão antiga”

1-Qual a ideia que esteve na origem deste livro «Histórias de Jazz»?
R-A origem deste livro está publicada no prefácio do livro: em 2003 eu era editor da revista All Jazz, uma publicação irregular que durou dois anos e dez números, quando um leitor me apareceu com duas «histórias de jazz». Uma delas – «Jitterbug Waltz!» – era curiosa e estava razoavelmente bem escrita e aceitei publicá-la. Na sequência eu desafiei alguns leitores a contar as suas histórias, e alguns corresponderam, mas entretanto a revista acabou e essa foi a única a ser publicada. Ao relê-las, quinze anos depois, a ideia de reunir essas histórias foi germinando, mas muitas precisavam ser revistas, pois realmente não passavam de rascunhos. No lento processo de reescrita que se seguiu, ao mesmo tempo que a ideia do livro se ia consolidando, eu transformei as histórias e mesmo adulterei-as, apoderei-me delas, introduzi-lhes muito da minha forma de escrever e de pensar, e da minha vida e dos personagens da minha vida e, em boa verdade, nalgumas das histórias que reuni, pouco restará do original.  O Jazz é o nome de uma forma musical, mas ele pode também ser utilizado como sinónimo de vida ou de vida atribulada, e foi um pouco esse sentido que eu utilizei para as minhas «Histórias de Jazz». E reparei que um dos apresentadores do meu livro, o Jorge Lima Alves, me «desmascarou» ao dizer que elas eram, em boa verdade, histórias de amor. Enfim, quase todas. Amores atribulados (porque os amores vulgares são desinteressantes), vidas intranquilas, amizade, sexo, humor, non sense, fantasia e «ficção especulativa», com mais ou menos jazz, e um pouco de poesia, ou assim me disseram também. E confesso que a ideia do livro se foi modificando também, ao longo do processo de escrita e reescrita, e o resultado final, como eu o leio hoje, já com alguma distância, não terá muito a ver com o início.

2-O Jazz tem sempre muitas histórias: como escolheu as 14 que dão corpo a este livro?
R-A resposta a esta pergunta decorre do último parágrafo da resposta anterior. Se a «Jitterbug Walz», a «Morgan», a «Paradiddle» ou a «Smokin’», pelo menos na sua estrutura, já faziam parte desse livro desde o primeiro momento, algumas outras foram-se impondo, como se o livro se fosse escrevendo por si. Sem me dar conta ia buscando ideias noutras histórias e ia-as cruzando com as minhas. Há pouco tempo encontrei no computador alguns rascunhos originais e fiquei espantado com as diferenças e com o que deixei para trás. Diria que há muito do elemento de improvisação (que é próprio) do Jazz que a partir de certa altura me conduziu. (Ou estarei a ser presunçoso?) Uma outra resposta para esta pergunta pode ser eu sempre ter gostado do formato short story típica nos mestres do fantástico Edgar Allan Poe ou Ray Bradbury, ou também dos devaneios libertinos de uns Luís Pacheco ou Henry Miller, que me fizeram escolher uma ou outra história ou uma ou outra situação. Duas histórias em particular pertencem-me, uma homenagem-epitáfio-impropério a um grande amigo meu que faleceu há alguns anos, e um poema de juventude que comecei a escrever com 17 anos e encontrei há pouco no meu baú de memórias. Ambas as histórias se me impuseram como óbvias. . Ainda, sobre as referências que acompanham cada história: em dado momento apercebi-me que alguns personagens ou situações que eram óbvias para mim, poderiam não o ser para alguns leitores mais leigos, e algumas delas seriam mesmo demasiado pessoais, e elas impuseram-se como necessárias.

3-Sobre si: o que levou um homem da Antropologia Social a interessar-se tanto pelo Jazz?
R-Eu não sou «um homem da Antropologia Social». Em verdade eu tive formação técnica em contabilidade e em informática e terminei a minha vida profissional como técnico de informática dos impostos. Eu fui estudar Antropologia Social bastante por curiosidade e acabei por completar a tese de mestrado no ISCTE (e ainda considerei o doutoramento) no meio da minha carreira informática, sem qualquer proveito profissional. E diria que alguém inventou a Antropologia para mim; diria que a Antropologia me autorizou a ver mais longe, a compreender melhor o mundo, os comportamentos sociais e a sociedade. O Jazz é uma paixão antiga: eu tinha 16 anos quando assisti ao primeiro festival de jazz de Cascais e o jazz impôs-se como a minha música. Não é possível descrever a um jovem o que foi ter assistido, num único fim de semana aos concertos de Miles Davis, Ornette Coleman, Dexter Gordon, Sonny Stitt e os Giants of Jazz (com Dizzy Gillespie, Thelonious Monk …), ademais num contexto de privação de liberdade como a que vivíamos no Portugal miserável de 1971. A liberdade, a modernidade, a força, a irreverência e a alegria daquela música mudou os meus gostos e toda a música de que eu gostava me parecia incipiente. Eu ouvi todos os discos que me foi possível, assisti a todos os concertos e li tudo o que estava publicado em livro e se escrevia nos jornais sobre jazz e dois anos depois escrevi o primeiro texto sobre Jazz, numa publicação juvenil, e depois outros noutras pequenas publicações. No meio dos anos 80 tive dois programas de rádios em duas rádios piratas e em 1990 comecei a escrever no Diário de Notícias, depois no Independente, e até hoje. Com o desaparecimento da crítica de Jazz na imprensa, e depois da aventura da All Jazz, iniciei o meu site, jazzLogical.net, que faz em 2024 18 anos. Neste momento assino também uma pequena crítica discográfica no Jornal de Letras. Já agora, há cinco anos fui curador da exposição «O Jazz na Banda Desenhada» no Hot Club de Portugal, que foi apresentada posteriormente no Festival de Jazz do Barreiro e no Funchal Jazz (a BD é outra das minhas paixões), em 2023 publiquei o «Histórias de Jazz» na editora Guerra e Paz e sou desde Março do ano passado membro dos corpos directivos do Hot Club de Portugal.
__________
Leonel Santos
Histórias de Jazz
Guerra e Paz  16,50€

COMPRAR O LIVRO