Mariana Bicudo Cunha: “A vida e a morte são duas faces da mesma moeda”

1-«Onde Dormem os Cães» é o seu livro de estreia: como espera poder olhar para ele daqui a 20 anos?
R-Espero poder olhar para Onde Dormem os Cães como o livro que deu início ao meu percurso literário, como o primeiro passo num caminho que espero continuar a percorrer. Já hoje existe para mim uma separação entre o momento criativo, mais puro e solitário, e tudo o que aconteceu a partir do momento em que o livro venceu o Prémio Maria Amália Vaz de Carvalho, na modalidade Jovens Talentos – Poesia. A partir daí, eu e o livro embarcámos numa viagem pelo desconhecido, que culminou com o lançamento do livro na livraria Ferin, no fim de junho. O livro tem por isso uma natureza dupla, pois é simultaneamente um trabalho poético que escrevi no meu quarto e a chave que me abriu a porta de um novo universo. Como se existissem dois livros, o livro privado e o livro público. Sei que que vou olhar para o meu livro e recordar todas as aprendizagens e pessoas que conheci ao longo deste processo. Espero olhar para o meu livro de estreia como uma recordação do passado, como um marco na minha carreira e na minha vida.

2-Qual foi a ideia que esteve na origem desta obra?
R-A ideia na origem desta obra é a morte. Antes de escrever este livro, tinha tentado reunir poemas mais ou menos dispersos com o intuito de construir um possível livro. Essa tentativa de livro teve algumas versões com títulos diferentes. Mas com o tempo apercebi-me de que não estava verdadeiramente satisfeita com o resultado, e na realidade estava a forçar a construção de um poemário que não tinha a coerência devida ou suficiente para o ser. E essa lição foi crucial. Para além disso, comecei a perceber que estava há alguns anos a evitar escrever sobre certos eventos, memórias e questões que me marcaram profundamente. Nomeadamente o falecimento da minha avó materna. Comecei a notar que no passado usava sobretudo o inglês, e por vezes o francês, para abordar certos temas mais difíceis, mas decidi que isso tinha de mudar. Teria então de ter coragem para escrever na minha língua materna o que precisava de escrever, o que estava guardado dentro de mim, à espera de tocar as páginas do meu caderno. Se tiver de explicar este livro da forma mais simples possível diria que é um exercício em que tento encontrar um sentido na morte, na destruição inevitável. Em vez de fugir da dor da perda rendi-me à sua confrontação. Quis o destino que o fizesse num momento tão propício. Fiz uma nota enquanto escrevia o livro: “A vida e a morte são duas faces da mesma moeda”. Quando tomei consciência desta dualidade, o livro começou a ganhar forma, como se me aparecesse quase já construído. A ideia por detrás da obra é então uma exploração das diferentes faces da morte, tentando encontrar um sentido naquilo que, apesar de ser inevitável a partir do momento da nascença, sentimos como algo incompreensível. As duas epigrafes que selecionei para o início do livro são um prenúncio dos dois principais estados de espírito que os poemas apresentam. Primeiro temos o sofrimento esmagador de Victor Hugo em “Demain dès l’aube”, e depois a aceitação da morte com a canção de Christina Rossetti.

3-Pensando no futuro: o que está a escrever neste momento?
R-Durante o verão tenho escrito sobre o mar, entre outras coisas. A minha proximidade física com o oceano sempre foi importante. Sinto, cada vez mais, que escrever perto do mar e do seu cheiro me ajuda e me inspira. Tenho uma ideia, ainda em construção, sobre os lugares da minha infância que desaparecerem ou mudaram desde então. Os lugares que guardam memórias, umas boas outras menos boas. Lugares com personalidade, com um espírito próprio, que falam comigo.
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Mariana Bicudo Cunha
Onde Dormem os Cães
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