Miguel Soares de Albergaria | Condições do Atraso do Povo Português nos Últimos Dois Séculos

1- De que trata este seu livro “Condições do Atraso do Povo
Português nos Últimos Dois Séculos”?
R- Primeiro, e como infelizmente não é difícil, reconhece um crónico atraso
sócio-económico de Portugal (pelo menos) desde o advento da economia
industrializada, da urbanização da sociedade… por comparação aos nossos pares
europeus. Segundo, equaciona esse problema radicalmente na nossa cultura, como
base do estabelecimento e implementação das instituições sociais, políticas e
económicas com as quais nos temos organizado. Terceiro, refuta empírica e
logicamente o diagnóstico de Antero de Quental, uma vez deslocado dos séc.
XVI-XIX para desde este último até à década passada (ou mesmo no período
considerado pelo meu ilustre conterrâneo) – que as “causas” (“da decadência dos
povos peninsulares”) seriam o catolicismo de Trento, um consequente
autoritarismo político, e enfim uma cultura económica orientada para a
conquista e não para a indústria e comércio. Quarto, para propor então uma
hipótese alternativa, começa por esboçar um quadro de condições gerais do
desenvolvimento – por indução a partir de alguns alargados estudos de casos. E
avança uma verificação, em quinto lugar, da satisfação dessas condições por
Portugal… isto é, de como não as temos satisfeito. De onde a hipótese: se nos
fizermos evoluir culturalmente em ordem à satisfação dessas condições, é plausível
que consolidemos condições de vida equiparáveis às da Irlanda, Bélgica, Áustria
ou Finlândia. Enfim, correspondendo à questão prática que resulta do anterior
argumento abdutivo, em último lugar o ensaio trata do modo como poderemos fazer
evoluir a nossa cultura nessa direcção.

2- De forma resumida, qual a principal ideia que espera conseguir transmitir
aos seus leitores?
R- Que não estamos condenados a compor o país da União Europeia com maior
emigração (acima de 20% da população residente), onde dois milhões de
reformados têm pensões inferiores a 400€… Ao contrário, sendo improvável uma
rápida evolução cultural em bloco, é todavia plausível que uma minoria
retoricamente capaz (se houver uma tal elite!) – grosso modo: credível, bem
fundada empírica e racionalmente, empática, e com poder para difundir a sua
mensagem – possa espoletar uma evolução da maioria a favor de um maior
realismo, de uma temporalidade progressiva, e de algumas outras condições
culturais do quadro acima mencionado. As quais facultarão instituições sociais,
políticas… que enquadrem comportamentos cujos resultados constituam, enfim, um
país onde a generalidade dos indivíduos tenha um lugar digno.
3- Ao ler o seu livro é impossível não pensar nas “Causas da Decadência dos
Povos Peninsulares nos Últimos Três Séculos”, de Antero de Quental: principais
diferenças e semelhanças entre essa época (anos 70 do século XIX) e os nossos
dias?
R- A maior semelhança diria que é a série de, nuns casos, descendentes de
personagens do amigo de Antero, Eça de Queirós, que ainda por aqui andam…
noutros casos, são os próprios conselheiros Acácios, Dâmasos Salcedes e Jacobs
Cohens! – o que não dá força àquela minha esperança numa verdadeira “elite”.
Quanto às diferenças, sem prejuízo de outras, apontarei duas. O modelo teórico
em cujo seio no séc. XIX se reconhecia, equacionava e tentava resolver tais
problemas era inspirado no modelo determinista das ciências naturais – veja-se
o uso por Antero do conceito de “causa” – mas presumindo um sentido na história
humana (já na física clássica o tempo é reversível). Hoje, na base daquelas
ciências, a física quântica considera o indeterminismo, e mesmo sobre uma
determinação da mente pelo cérebro se fala de “emergência”, “causalidade
descendente”… – daí eu ter recuado para o conceito mais humilde de “condição”.
Creio que só quem se encapsular à margem dos argumentos que marcam a história
das ideias insistirá em interpretações da realidade humana como as que
pontuaram no séc. XIX. Termino com uma diferençazinha esperançosa (para os mais
jovens, que a mim a idade já começa a trazer o cepticismo dos velhos): à data
das Conferências Democráticas (onde Antero apresentou a sua tese), o país
avançava denodadamente para a bancarrota de 1892 e para o descalabro político
das primeiras décadas do séc. XX. Nesta nossa década, desde 2013 a dívida
pública em percentagem do PIB deixou de crescer substancialmente, sugerindo um
menor irrealismo do Estado português – se bem que em 2016 tenhamos feito isso
batendo o record mínimo de investimento público no país e na UE, o que viola o
princípio micro-económico de incentivos assumido no meu ensaio, diminuindo
assim a progressividade do nosso tempo económico… Mas, no seu conjunto, o país
(famílias, empresas, Estado) enjeitou o irrealismo de se consumir hoje o que
talvez se produza em algum futuro – veja-se a evolução da balança de
pagamentos, que melhorou substancialmente em 2012 e se tornou levemente
positiva a partir do ano seguinte. Enquanto o nosso PIB tem progredido firme
ainda que humildemente após 2012. Mesmo que esta progressão possa depender
bastante de factores externos no mercado do turismo (além da nossa competência
endógena), e que o anterior realismo das contas nacionais possa ter-nos sido
imposto por quem nos tem emprestado o dinheiro de que precisamos, fica a
esperançazinha de que aproveitemos o balanço para integrarmos culturalmente os
valores e princípios que esses comportamentos implicam. De modo que, uma vez
ultrapassada essa imposição financeira e porventura alterados aqueles factores
externos, não nos precipitemos de volta ao caminho de 1892, de 1977, 1983, e
2011.
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Miguel Soares de Albergaria
Condições do Atraso do Povo Português nos Últimos Dois Séculos
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