
Nuno Duarte acaba de receber receber o Prémio Leya 2024 com o seu primeiro romance: Pés de Barro. Obra sobre a qual confessa: “No início, não havia uma intenção política em “Pés de Barro”, mas ela foi-se impondo ao longo da escrita. A realidade do Portugal dos anos sessenta era demasiado miserável para que eu, ao escrever sobre ela, me escusasse a bater-lhe.”
Primeiro e sólido romance, sem dúvida, um dos grandes livros da ficção portuguesa em 2025.
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P-Como recebeu o Prémio Leya por este seu romance Pés de Barro?
R-Com o espanto que ainda me sobra de todas as vezes que fazem essa pergunta e em que eu, por causa dela, me vejo confrontado com o maravilhoso acontecimento que fez de mim escritor.
P-Começa bem pois este é o seu primeiro romance publicado: como espera poder olhar para ele daqui a 20 anos?
R-Se ainda estiver vivo daqui a vinte anos, volte a fazer-me essa pergunta porque, neste momento, não lhe saberei responder. Por agora, a única bitola que poderei utilizar, é a forma como sempre olho para o meu passado e que não costuma ser muito generosa. Por isso fujo a sete pés de saudosismos. Daqui a vinte anos, se ainda estiver por cá, veremos com que crueldade olharei para este meu primeiro romance.
P-Qual a ideia que esteve na origem deste livro?
R-No princípio foram as pessoas, não o verbo, mas as pessoas que, mesmo sem um escritor que lhes roubasse as vidas, eram material de um livro, deste ou de outro qualquer. Conheci-as através das histórias que a minha mulher recordava, da mãe e da avó, e que eu escutava com segundas intenções, pois já era a sua história que eu queria contar. E foram elas que me forçaram à viagem no tempo, aos anos sessenta, onde aquelas vidas pertenciam. A ponte surgiu por cima delas, e era um tema tão evidentemente literário, que a minha surpresa pela sua ausência da literatura portuguesa, só foi suplantada pelo meu agradecimento, pois tinha aquilo de que precisava para escrever um romance.
P-O romance é, de certa forma, um olhar sobre o Portugal dos anos 60 do século passado: para si, como foi descobrir e revelar esse país através da ficção?
R-No início, não havia uma intenção política em “Pés de Barro”, mas ela foi-se impondo ao longo da escrita. A realidade do Portugal dos anos sessenta era demasiado miserável para que eu, ao escrever sobre ela, me escusasse a bater-lhe. Talvez tenha sido uma fraqueza minha, mas não consegui, enquanto narrador, manter-me à margem de tudo aquilo, era demasiada injustiça, demasiada ignomínia. E depois, de cada vez que vinha cá acima à tona e era confrontado com este pântano (a metáfora é da Lídia Jorge) saudosista que atravessamos, a única vontade que sobrava era tornar a mergulhar e escarafunchar mais e mais naquele lamaçal, naquele lodo, onde se ergueu tão espectacular ponte, e trazer para a luz da superfície tudo aquilo que lá se esconde.
5-Pensando no futuro: o que está a escrever neste momento?
R-Se com o passado não sou generoso, com o futuro serei, porventura, ainda menos. Talvez seja deformação publicitária, pois a palavra “futuro” é tão lugar-comum na comunicação comercial que não me dou bem com a dita. Diria apenas, e não é pouco, escrever, pois não quero olhar para o Pés de Barro, daqui a vinte anos e se ainda for vivo, a saber que foi o meu único livro.
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Nuno Duarte
Pés de Barro
Leya 17,70€
Nuno Duarte na “Novos Livros” | Entrevistas
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