Miguel Carvalho | Investigação

O jornalista Miguel Carvalho dedicou 5 anos do seu trabalho como jornalista a conhecer o partido Chega. Não foi uma viagem militante mas sim um trabalho de investigação jornalística do melhor que se fez em Portugal. E é, sem dúvida, a primeira obra em que se consegue começar a conhecer e compreender a verdadeira realidade deste partido que está a mudar a política portuguesa e a tentar destruir os alicerces da nossa democracia. Um livro indispensável.
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1-Qual a ideia que esteve na origem deste seu livro Por Dentro do Chega?
R-Sempre me concentrei mais no fenómeno do que no seu líder. Foi esse o meu objetivo desde o início. Queria compreender as origens do Chega, como foi capaz de seduzir eleitorado muito complexo e contrastante, como funcionava internamente. Sempre achei que o fenómeno não era passageiro, apesar de, no início, muitos acharem o contrário. E o facto de me concentrar no fenómeno, e não na sobrexposição do líder ou no seu perfil, talvez explique o sucesso do livro, pois as profundezas do Chega e os bastidores da sua ascensão permaneciam desconhecidos para a maioria dos cidadãos.

2-A sua investigação jornalística durou 5 anos: as conversas que manteve com dezenas de pessoas no Partido Chega surpreenderam-no?
R-Muitas, sim. Mas mais surpreendente foi o facto de que estas pessoas podiam, em muitos casos, ser-nos próximas, a vários títulos. Cheguei inclusive a comover-me com alguns relatos de vidas muito difíceis. O Chega é o sonho húmido do Portugal dos interesses, de certas elites económico-financeiras, do sistema que tanto diz criticar, mas a verdade é que atraiu, despertando instintos primários e recalcamentos de décadas, gente desesperada, ressentida e frustrada nos seus sonhos, dando-lhes a ideia de que resolverá todos os problemas, quando, na verdade, apenas berra por elas e explora os seus piores sentimentos.

3-Consegue identificar os perfis-tipo dos militantes do Chega ou estamos perante realidades distintas e muito diversas?
R-Não há o perfil típico. É gente muito diferente, com posturas muito contraditórias, apesar do partido ter no seu seio muita gente poderosa que gostaria de reduzir o Estado aos mínimos e precarizar ainda mais a vida dos mais frágeis. O Chega é como um restaurante do chef Ventura. Tem uma ementa de dez “pratos” (imigração, ciganos, etc.) e cada um serve-se como quer e rejeita o que não gosta. Isto permite prometer tudo a todos e ir buscar sentimentos recalcados, à esquerda e à direita.

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O Chega nunca teve
problemas de financiamento.
E agora muito menos.
O sistema que o partido
diz combater adora o Chega
e financia-o em larga escala

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4-Como explica o crescimento tão rápido deste partido baseado, em grande medida, numa só figura a de André Ventura?
R-Ele treinou no ginásio do sensacionalismo televisivo. Isso deu-lhe uma retórica imbatível e permitiu-lhe transformar o jogo político num debate futebolístico musculado, com toda a agressividade e polarização que sabemos. Nunca há penaltys contra o Chega. Nem foras de jogo. Tal como nenhum adepto admite que a sua equipa foi beneficiada. Para cúmulo, o Tribunal Constitucional, que já “chumbou” e censurou várias vezes os congressos do Chega, a violação das regras democráticas e a ilegalidade dos seus órgãos, é mais desrespeitado do que o VAR.

5-Do seu ponto de vista: o Chega é um fenómeno transitório e fugaz ou veio mesmo para ficar?
R-Digo desde o início de 2020 que o Chega não é um fenómeno fugaz. E continuará a não ser enquanto certa classe política der de si própria uma imagem sem ética e sem fidelidade à palavra dada. Enquanto não se resolverem problemas há muito identificados na sociedade portuguesa, não se conseguirá tirar oxigénio ao Chega. Ventura até pode ir embora, mas o Ventura country continuará cá e irá procurar outro “Messias” igual a ele.

6-Um aspeto que ainda não está claro: o Partido Chega tem meios de propaganda muito fortes e caros: conseguiu identificar quem financia este partido e como?
R-O Chega nunca teve problemas de financiamento. E agora muito menos. O sistema que o partido diz combater adora o Chega e financia-o em larga escala, desde os derrotados do 25 de Abril às elites económico-financeiras que, apesar de contribuírem para outros partidos, há muito suspiravam por um partido assim, de passadeira estendida para os seus interesses. Tive acesso a documentação pública e interna que me permitiram ter um retrato muito aproximado e aturado dos perfis dos seus financiadores em Portugal e o rol é vasto.

7-Este projecto de jornalismo de investigação que agora se materializou neste livro está terminado ou pensa continuar a sua pesquisa?
R-Este terminou, não haverá um segundo volume. E não vislumbro que me possa interessar por algo parecido ou requentado, pois estes anos de trabalho contaminaram toda a minha vida, para o bem e para o mal. Mas o livro abriu caminhos e outras ideias. E eu continuo e continuarei a seguir e a estudar com muita atenção o real perigo destes partidos para a democracia e, sobretudo, a forma como as suas narrativas e falsidades estão a entrar na cabeça de adolescentes em espaço escolar e jovens universitários. Isso é o que me preocupa mais.

8-Com a crise em que vivem jornais e revistas, como conseguiu desenvolver um projeto desta envergadura?
R-Enquanto tive de acumular este trabalho com o quotidiano de uma revista como a Visão (de onde saí em agosto de 2023) não foi fácil. Levantava-me com frequência de madrugada e escrevia até às 8 ou 9 horas da manhã, retomando quando possível. Foram muitas as horas, dias, semanas que faltei à família e não quero repetir. Depois, quando saí da Visão isso permitiu-me dedicar mais tempo ao livro, embora tivesse que procurar e diversificar o meu trabalho para garantir o ganha-pão. O tempo do jornalismo só raras vezes é o da profundidade e o do escrutínio com tempo. Não há recursos humanos nem financeiros que o permitam. Fui, durante muito tempo, um privilegiado, mas a maioria dos jornalistas não o é. E isso paga-se. A decadência do jornalismo é a decadência da democracia. E se o jornalismo cair, como profetizou Pulitzer, a República também cai.
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Miguel Carvalho
Por dentro do Chega
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