Rosa Alice Branco | Poesia Reunida

Rosa Alice Branco mostra toda a sua poesia numa obra que é muito mais do que um conjunto da obra publicada: “Mapa dos Amores Incompletos”. São, pois, mais de 40 anos de poesia agora facilmente acessíveis para pleno prazer de uma das mais importantes vozes da poesia portuguesa. Para os novos leitores admite que uma “leitura descomprometida é mais saborosa” mas comece o leitor por onde começar, terá dificuldade em parar e talvez conclua que “todos os amores são incompletos”.
__________

1-A publicar poesia desde 1981 (mais de 40 anos), esta poesia reunida é um balanço e de fecho de um ciclo ou um momento de pausa para novos projectos?
R-Na verdade, foi a preparação da poesia reunida que urdiu uma pausa, na medida, em que tive de reunir os 14 livros, verificar gralhas, decidir acerca de algum termo ou expressão que, decididamente, deveria modificar. No entanto, propus-me manter a lealdade possível para com os leitores. Os novos projectos já estavam na forja e, 2 deles, iniciados. Aliás, a poesia reunida, intitulada Mapa dos Amores Incompletos, inclui um projecto, já que integra 9 poemas inéditos que dão o nome ao livro. Alguns ficarão para trás, pelo menos provisoriamente, porque são uns projectos que se adiantam ou retardam. E eu aceito as “sugestões compulsivas” que se me oferecem.

2-Quando publicou o primeiro livro conseguiu antever o sólido caminho que depois percorreu na literatura ou pensou que seria sempre uma actividade complementar à sua profissão de investigadora?
R-Nunca nenhuma destas actividades foi complementar, porque fui sempre apaixonada e inteira em todas. Enquanto investigadora, enquanto escritora, nomeadamente, poeta e ensaísta, enquanto professora, fruo em desmedida estas dádivas que fazem da minha pequena vida uma vivência desafiante e feliz. Sobre o caminho que segui, não pensei em coisa nenhuma. Nunca quis ser nada, para além do “prazer do texto” de que fala Roland Barthes. A determinado momento do meu percurso, quando o Valter Hugo Mãe me convidou a publicar a minha primeira poesia reunida, pela editora Quasi, custou-me a perceber a ideia de mim, autora(?) juntamente com a palavra “obra” e o que esta, usualmente, significa. Depois de sair o Soletrar o Dia (poesia reunida, até 2002) rapidamente me esqueci dessa dimensão, que regressou aquando da minha entrada para a editora Assírio & Alvim e, mais concretamente, quando começámos a pensar na obra reunida que acaba de sair.

3-A abrir esta poesia reunida, um livro inédito (Mapa dos Amores Incompletos): que livro é este?
R-Este é um projecto poético de livro, ainda bem no início. Eu não sou de fazer sair uma compilação da minha poesia que não ofereça nada de verdadeiramente novo ao leitor, por respeito e amor, também a mim. Particularmente, sobre este livro, o que é um mapa? Serve para percorrermos os caminhos possíveis, ou para discorrermos em caminhos de caminhos, veredas, para nos acharmos, para nos perdermos. Acho que todos os amores são incompletos. Embora seja também um corolário da nossa finitude, a verdade é que é esta incompletude – cada uma por razões diferentes – que faz dos amores seres complexos, imprevisíveis, enigmáticos, que nos apanham pela nuca. Como no póquer, poderíamos dizer: pago para ver. Mas só podemos jogar às cegas, iludidos com os caminhos que os mapas desenham nos nossos corpos.

4-Uma pergunta que, talvez não se deva fazer mas aqui vai: de todos os que escreveu qual é o seu livro favorito? Porquê?
R-É bom que a questão venha, mas não tem uma resposta inequívoca. Gosto e não gosto de cada livro por razões diferentes. Há sempre poemas que já não deveriam estar lá. Sei que cada vez gosto mais de ter escrito Monadologia Breve, o meu 2º livro “oficial”, que é uma celebração do universo e do seu arquitecto, seja ele o que for. O livro advém da minha paixão por Leibniz, filósofo, cientista, inventor do cálculo infinitesimal, sabedor universal. Até ao Amor Cão e outras Palavras que não adestram, de 2022, o meu livro mais amado foi Gado do Senhor. Mas mergulhar no universo de um monge chinês para tentar chegar à simplicidade suprema, em O Único Traço do Pincel, ou explorar as questões que os deícticos e os pronomes pessoais levantam, quanto à nossa identidade, o espaço e a temporalidade, deixou-me fascinada, o que se pode notar em A Mão Feliz. Não há uma resposta conclusiva. Mas, as boas questões inclinam-nos para lá.

5-Uma obra poética que se espalha por mais de 500 páginas e 14 livros. Um novo leitor pode ou deve começar por onde?
R- Eu compus o livro a partir dos inéditos e seguindo o caminho regressivo até ao primeiro livro. Toda a organização é uma proposta de leitura, ainda que não explícita. Mas a poesia — salvo em caso de narrativas que se fundam na cronologia, como a Divina Comédia, e não na ocasionalidade com que o leitor folheia o livro e pára naquele poema, porque sim — é muito mais permissiva, é nitidamente kairológica. Nos livros que compõem a minha poesia reunida há uma ordenação severa nos primeiros poemas de Amor Cão e outras Palavras que não adestram e em todo O Único Traço do Pincel. Mas a leitura descomprometida é mais saborosa do que as regras precárias de que falo.

6-Pensando no futuro: o que está a escrever neste momento?
R-Como sempre, escrevo vários livros ao mesmo tempo. Estou a escrever um livro de poemas com 3 em mente, uma prosa e um ensaio que também oscila entre 2. É deliciosamente complicado urdir estas tramas e às vezes é desesperante, porque a dispersão conduz a perdas de algumas coisas que, naquele momento, achávamos essenciais.
[Foto: Leonor Soares]
_________
Rosa Alice Branco
Mapa dos Amores Incompletos
Assírio & Alvim  40€

Rosa Alice Branco na “Novos Livros” | Entrevistas

COMPRAR O LIVRO

……………..…..

Escritores falam sobre José Saramago
LER

………………….

25 de Abril em forma de livro
LER