Paulo Nogueira: “A liberdade é como os músculos: se não é usada, atrofia-se”

1-Qual a ideia que esteve na origem deste seu livro “Todos os Lugares São de Fala”?
R- Eu e o Manuel S. Fonseca, o editor da Guerra & Paz, somos amigos e discutimos (virtualmente, na medida em que ele vive em Portugal e eu no Brasil) questões que nos fascinam, preocupam, intrigam. Entre elas, o ataque à liberdade de expressão promovido por formas recentes de sectarismo e obscurantismo, como o cancelamento ou as fake news – que não excluem, e por vezes se somam às formas mais antigas de censura. Eu já abordara tais questões nos meus textos no jornal brasileiro do qual sou crítico literário (O Estado de São Paulo, o principal periódico do Brasil). E o Manuel propôs-me então que escrevesse um livro sobre o assunto, defendendo a nossa dama – ou as nossas damas (em tempos de justíssimo empoderamento feminino): a liberdade de expressão e a democracia, que se alimentam uma à outra e juntas alimentam as sociedades modernas e emancipadas.

2-Nestes tempos sombrios, autoritários, vigiados e formatados em que vivemos já fazia falta um “manifesto pela liberdade de expressão”?
R- Quantos mais, melhor, pois publicar manifestos – contra ou a favor – já é um exercício da liberdade. E a liberdade é como os músculos: se não é usada, atrofia-se. Um dos inimigos perenes e atuais da liberdade é a intimidação – o dissidente corre o risco de perder os amigos, o emprego, a reputação, a própria vida. E essa mordaça gera autocensura e conformismo, talvez a mais perversa das opressões, quando o opressor habita nós próprios. Daí o título do meu livro: Todos Os Lugares São de Fala (o que não é a mesma coisa que dizer que toda a gente tem razão). Aprendemos com o que é diferente de nós, e não com mais do mesmo. Até porque ninguém é dono da verdade nem infalível.

3-Do seu ponto de vista, onde estão os maiores perigos para a liberdade de expressão?
R- No meu livro (escrito de forma clara e acessível) cada capítulo ocupa-se de uma fonte problemática: as universidades, os media, as redes sociais. E tudo é muito paradoxal: a Internet, por exemplo, pode ser louvável ou nefasta. Redes sociais tanto servem para agentes da liberdade (foi assim em Cuba, na China, na Rússia) como para semear o ódio, as cruzadas fanáticas, os cancelamentos, as fake news, a pós-verdade (como o Trumpismo fez nas eleições americanas). Os ativismos sociais – admiráveis no combate ao sexismo e ao racismo, por exemplo – por vezes descambaram em novas ortodoxias dogmáticas, excluindo em nome da inclusão, e homogeneizando em nome da diversidade. O coletivo, apesar da sua proeminência (sociedades são comunidades) não pode nunca sacrificar o indivíduo – pois as existências humanas reais são singulares, e não abstrações genéricas. E somos bons ou maus através das nossas escolhas concretas, nos nossos atos quotidianos, e não por causa de mantras virtuosos que professamos nas redes sociais. O humor, por exemplo, é uma lição de liberdade: para nos rirmos dos outros, devemos admitir que se riam de nós. Ninguém nunca viu um inquisidor bem-humorado. Aliás, apesar da gravidade do tema, acho que o meu livro tem um bocadinho de ironia. Quanto aos discursos criminosos – calúnias, infâmias – a legislação democrática trata delas. Uma cidadania civilizada baseia-se, em suma, em duas palavras que não podem ser antagônicas: tolerância e crítica.
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Paulo Nogueira
Todos os Lugares são de Fala
Guerra e Paz  15€

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