Saul Bellow: a história podia ser contada linearmente mas…

CRÓNICA
| Susana Nogueira

Prepare-se para entrar numa história que podia ser contada linearmente mas, que se transforma num emaranhado de pensamentos, pormenorizadas descrições, sentimentos desgovernados e até algumas repetições. Prepare-se porque pode acabar por se habituar e até apreciar essa capacidade em modo free-flow de partilha interna.
O narrador da história é Kenneth Trachtenberg, sobrinho de Benn Crader, um botânico famoso. Desde cedo que nos apercebemos da profunda ligação entre os dois, apesar da diferença de idades. Eles são bons amigos e partilham dúvidas semelhantes sobre a vida, o amor e o erotismo, mas também frustrações acumuladas sobretudo de relacionamentos com mulheres.
Por isso, o sobrinho fica muito surpreendido quando descobre que o tio decide voltar a casar com uma mulher bastante mais nova e de uma esfera social abastada. Matilda Layamon aparece como a última hipótese de felicidade de Benn. Infelizmente, ela está no centro de uma complexa trama montada pelos seus pais, para aceder a dinheiro através de chantagem. Tudo isto é narrado por Kenneth, que expõe a sua visão abstrata e relata os eventos depurados pelo filtro da sua própria complexa individualidade.
O autor, Saul Bellow, ganhou o Prémio Nobel da Literatura em 1976, pelo “entendimento humano e sutil análise da cultura contemporânea” que podemos encontrar na sua obra. Algo que também podemos descobrir neste livro pela sua abordagem às infindáveis nuances dos sentimentos e das relações interpessoais.
Lucília Filipe faz um trabalho de tradução minucioso e dedicado. Nota também para o título “Morrem Mais de Mágoa”, que foi traduzido do original “More Die of Heartbreak” e que corresponde a uma das referidas repetições. Trata-se de uma situação em que um jornalista pergunta a Benn acerca dos perigos da radioatividade e ele responde que a mágoa- ou seja os desgostos de amor e “corações partidos”- tem matado muito mais gente…
Uma amostra do estilo personalizado do autor, mais centrado no modo como as personagens se desenvolvem e não tanto na estrutura e na ação. É uma escrita que se torna densa pelas suas referências literárias, históricas, psicológicas e artísticas. Ao mesmo tempo, reconhecemos que se trata de uma capacidade desconcertantemente humana, que nos toca e que se prolonga até muito depois de o livro terminar.
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Saul Bellow
Morrem Mais de Mágoa
Quetzal  18,80€

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