Todos cultivam a preguiça
CRÓNICA
| agostinho sousa
Numa casa velha, algures numa cidade esquecida do Egito, vive uma família singular, composta pelo velho pai, mais os seus três filhos que vivem à custa do pai e mais um irmão que arruinou a sua fortuna na borga e na mandriice.
Todos cultivam a preguiça, uns de forma mais prolongada do que outros, mas esse é o mote da narrativa.
Apenas um se sente motivado para encontrar trabalho e isso será o suficiente para desestabilizar o status quo vivencial e o pomo de discórdia para com os demais membros da família.
O autor usa o sarcasmo de forma incisiva e criativa, desmontando os valores excessivamente direcionados para a realização profissional individual e para a criação de riqueza, muito característicos da cultura ocidental. Em contrapartida, valoriza o ócio e o pleno descanso, sem preocupações nem interrupções nesses hábitos, como quando um dos filhos afirma ao irmão sobre o pai de ambos: «Nem sabes como o estimo. Admiro-o pela vida que sempre levou e com que nos rodeou. Nunca quis meter-se em negócios, nunca fez por aumentar a fortuna que tinha. E além disso sempre desprezou os outros. Todos os membros da nossa família eram ao pé dele uns criados, apesar de alguns serem mais ricos.»
Pelo meio circulam intrigas das mais variadas e bem causticas, num ambiente algo degradado, de que destaco a total recusa dos filhos perante a possibilidade de o pai se voltar a casar porque, única e simplesmente, uma mulher iria alterar o status quo, de bem-estar instituído, naquela casa em ruínas.
Um livro de leitura agradável e que remexe alguns dos preconceitos que a sociedade nos vai incutindo e que assimilámos sem nos apercebermos.
Espinho, 05/12/2024
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Albert Cossery
Mandriões no Vale Fértil
Antígona 15€