Alexandre Andrade: “Recordo-me, sobretudo, da omnipresença da política”

Alexandre Andrade acaba de lançar o romance Democracia em que revisita o 25 de Abril de 1974.
Com uma vasta obra de ficção já publicada (conto e romance), o autor foi em busca das memórias (suas e de outros) da revolução e construiu um romance denso e inovador.
Uma obra em que o
Portugal daqueles anos nos surge em todo o seu esplendor e diversidade: histórias, contradições, dramas, momentos, pessoas, esperanças, frustrações, vidas.
[Fotografia: Alda Rodrigues]
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P-Nasceu em 1971: qual a primeira memória que guarda da revolução?
R- Não tenho memórias do período de revolução propriamente dito, mas tenho-as, em abundância, do período pós-PREC, essencialmente a partir de 1976. Recordo-me, sobretudo, da omnipresença da política. Algo ingenuamente, como é próprio da idade, o sentimento que me parecia dominante era o de euforia e optimismo. A profusão de partidos, emblemas e siglas encantava-me. Nada sabia do passado pré-democrático, nem das profundas clivagens latentes.

P-Entretanto, 50 anos passaram: o que fica de mais importante no nosso país em democracia?
R- A própria democracia… A capacidade de um povo se exprimir e decidir o seu destino. A liberdade de expressão. A existência de instituições que funcionam como sustentáculos da vida democrática. Até a desconfiança (crescente, ao que parece) que os portugueses sentem em relação a estas instituições pode ser encarada como algo saudável: se existe desconfiança, é porque existem também expectativas legítimas. O direito a exigir que as instituições funcionem e cumpram o seu papel é uma conquista importantíssima.

P-O que representa, no contexto da sua já vasta obra, este romance Democracia?
R- Representa a intenção assumida (de que eu fugira nos últimos anos) de escrever um romance, ou seja, um livro que se insira na linhagem de obras fundamentais na tradição literária ocidental, dentro de um género que configura a tentativa de descrever o mundo com ambições de uma aproximação à exaustividade, em vez da alusão ou da parábola próprias da novela e do conto.

P-Qual a ideia que esteve na sua origem?
R- Foram muitas. A ideia central, da autoria do meu amigo artista António Guimarães Ferreira, foi a da “performance” artística sob a forma de arremesso de um contentor da Ponte 25 de Abril. Houve outras ideias que tentei explorar em paralelo: a circulação de informações falsas, os resquícios de salazarismo sebastiânico que se concretizam na busca de um livro perdido do ditador… A ideia unificadora foi a coexistência da história da democracia com as histórias da vida das personagens, forçadas a tornarem-se pessoas adultas em simultâneo com a errática consolidação democrática do país onde vivem.

P-Sendo uma criança nos anos da revolução, como construiu as memórias que estruturam as inúmeras pequenas grandes histórias que percorrem o livro?
R- Recorri a leituras de jornais da altura e de livros e revistas recentes, essencialmente sobre o período 1975-76. À medida que a cronologia progredia, sobretudo a partir dos anos 80, pude recorrer com maior confiança às minhas próprias memórias.

P-Pensando no futuro: o que está a escrever neste momento?
R- Estou a reunir ideias, à espera de que alguma(s) destas ideias ganhem forma e peso a ponto de me fazerem tomar a decisão de partir para a escrita de um novo livro, cujas características ainda não consigo prever.
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Alexandre Andrade
Democracia
Relógio d’Água  24€

Alexandre Andrade na “Novos Livros” | Entrevistas

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