José Maria Pimentel: “O debate aberto de ideias é algo bom em si mesmo”


[Foto: Nuno Sousa Dias]

1-Qual a ideia que esteve na origem deste seu livro «Política a 45 Graus»?
R-O livro «Política a 45 Graus» consiste numa reflexão minha sobre alguns dos temas mais marcantes da política – de hoje e de sempre – –, a partir de conversas com diferentes convidados gravadas para o podcast «45 Graus», de que sou autor. A ideia de escrever um livro a partir do 45 Graus partiu de um convite da editora Bertrand, e colocou-me, desde logo, perante duas escolhas difíceis: seleccionar um conjunto, necessariamente restrito, de entre os muitos excelentes convidados que tenho a sorte de ali ter recebido, ao longo dos anos; e privilegiar um de entre o leque variado de temas abordados no podcast – desde a ciência à filosofia, política, economia e sociedade. Acabei por decidir focar o livro em temas da esfera da política, dado não só a importância que esta tem para a vida em sociedade, mas também o interesse que fui encontrando entre muitos ouvintes de compreender melhor os temas que verdadeiramente importam, por vezes difíceis de isolar no turbilhão da actualidade noticiosa e no meio da cobertura, frequentemente superficial, dos media mainstream. Além disso, descobri um leque de conversas, com outros tantos interlocutores, que – não tendo sido sempre gravadas com esse propósito – tocavam muitos dos mesmos pontos e forneciam material para uma reflexão mais profunda, com a extensão e o rigor que só um livro permite. O livro «Política a 45 Graus» é, assim, uma reflexão minha a partir de dezasseis das melhores conversas do «45 Graus», sobre dois temas marcantes da política contemporânea: um estrutural (diferenças ideológicas) e outro mais específico dos tempos que vivemos (populismo e polarização). Na Parte I, parto de um conjunto de episódios do podcast com convidados com convicções ideológicas claras – como Daniel Oliveira, Rui Tavares, Isabel Moreira, Adolfo Mesquita Nunes e Francisco Mendes da Silva –, procurando retomar e aprofundar o mote que lhes esteve na origem: compreender as principais visões políticas que existem nas democracias ocidentais. Contrastando as opiniões dos diferentes convidados e juntando-lhes o que nos ensinam a História, a Psicologia e a Ciência Política, tento perceber por que motivo pessoas igualmente capazes e bem intencionadas têm por vezes visões políticas opostas sobre o mesmo tema, o que explica essas clivagens e as ‘verdades parciais’ que cada visão encerra.  A Parte II do livro trata de dois grandes desafios que enfrentam hoje as democracias-liberais: a ascensão do populismo (em particular, de direita radical) e a crescente polarização do espaço público. Nesta parte, revisito conversas com Pedro Magalhães, Susana Peralta, Desidério Murcho e Ricardo Araújo Pereira, entre outros, procurando compreender melhor os descontentamentos vários que explicam estes fenómenos gémeos, os seus perigos e explorar ideias para tornar as democracias mais estáveis, inclusivas e funcionais.

2-Em tempos conturbados e mais dados a paixões, ódios, antagonismos e especulações, ainda é possível o debate aberto de ideias: é essa marca do livro?
R-A «meta filosofia» por trás deste livro é, de facto, a de que o debate aberto de ideias é algo bom em si mesmo. E incitar essa abertura ao debate é, na minha opinião, particularmente importante num tempo como o de hoje, marcado pela polarização de opiniões e por desconfianças várias em muitas sociedades. Escrevi, por isso, este livro com o intuito duplo de sensibilizar os leitores para aceitar e compreender visões políticas diferentes da sua (Parte I) e de levá-los a perceber as causas mais profundas para o actual ambiente de polarização e de desconfiança (Parte II). A minha experiência ao gravar para o podcast os episódios que serviram de base ao livro – em particular, aqueles em que debatia com interlocutores com visões políticas marcadas e, em alguns casos, contrastantes com a minha –, mostrou-me que existe, no público, interesse por estes temas, e uma abertura de espírito a compreender o outro. Encontrei, então, entre os ouvintes não apenas vontade em pensar melhor a política, mas também – o que verdadeiramente me surpreendeu – uma genuína curiosidade em compreender visões políticas diferentes da sua. A esta abertura de espírito entre os ouvintes não serão, certamente, alheias algumas especificidades importantes dos podcasts enquanto meio, como a facilidade de produção e a ausência de restrições de tempo, as quais permitem a quem os produz libertar -se quer das limitações criativas características dos media tradicionais, quer da tendência para a polarização actualmente frequente noutros meios digitais, contribuindo para gerar conversas abertas, profundas e criativas. De uma forma mais abrangente, este livro procura cumprir os dois desígnios do podcast 45 Graus: saber mais e pensar mais criticamente (neste caso, sobre os temas que marcam a política contemporânea).

3-Continua a ser importante falar de Política quando o desinteresse das pessoas parece ser crescente?
R-Como referi na pergunta anterior, não creio que as pessoas estejam hoje mais desinteressadas da política; bem pelo contrário (até pelo efeito do surgimento da internet e das redes sociais em aumentar a saliência da actualidade política). Estarão, isso sim, desencantadas e, sobretudo, menos pacientes e mais sujeitas a ser cativadas por visões radicais e excludentes, como aquelas oferecidas pelos populismos. Com este livro procuro, por isso, sensibilizar os leitores para a importância da política e para as verdades parciais contidas nas diferentes ideologias, e, ao mesmo tempo, explorar as causas da actual crise das democracias liberais, procurando soluções para lhes devolver a estabilidade mas também, ao mesmo tempo, torná-las mais funcionais e inclusivas.
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José Maria Pimentel
Política a 45 Graus
Bertrand Editora  17,70€

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