Zélia Oliveira: “A mudança seria inevitável”


[Fotografia: António Cotrim]

P-Qual a ideia que esteve na origem deste vosso livro «Rumo à Revolução. Os Meses Finais do Estado Novo»?
R-A ideia de escrever o livro partiu do investigador José Matos que, tendo lido a minha tese de mestrado sobre a crise final do marcelismo, sugeriu que cruzassemos essa informação com a que ele também tinha recolhido do mesmo período. Com base nas informações de ambos, muitas oriundas de fontes primárias, obtivemos uma reconstituição da vida política desse período.

P-No processo de pesquisa para a escrita desta obra, houve factos desconhecidos (ou menos conhecidos) que surgiram e vos surpreenderam?
R-Sim, as negociações de Portugal com os Estados Unidos da América para obter contrapartidas militares e económicas dos norte-americanos, a quem tínhamos cedido a base das Lajes na guerra no Médio Oriente (1973); as listas de armamento pedidas ou a posição da embaixada francesa em Lisboa, que mostrou que acompanhava diariamente tudo o que se passava nos circuitos do poder na capital.  A dificuldade em obter armamento foi uma prova do grande isolamento de Portugal por parte dos seus aliados da Aliança Atlântica.

P-O centro da vossa análise são os meses que antecederam o 25 de Abril de 1974: podemos dizer que, face à realidade do país que estudaram e agora descrevem, a mudança era inevitável?
R-Penso que podemos dizer que a mudança seria inevitável. A longa guerra de 13 anos em África, sem fim à vista, condicionava toda a vida do país. Com os oficiais intermédios descontentes, porque o conflito se estava a efetivamente a perder na Guiné-Bissau, e os número um e dois da hierarquia militar demitidos por defenderem uma saída política para o conflito, era todo um sustentáculo do regime que estava a ruir.

P-Se o Movimento dos Capitães não tivesse avançado, como poderia ter evoluído a situação política (e não só) do nosso país?
R-Nunca o saberemos. Na verdade, Portugal conseguiu obter 500 misseis (200 seriam para a Guiné), mas o armamento chegou à Alemanha já depois do 25 de Abril e por isso não podemos saber o que aconteceria nos teatros de operações com esse reforço do lado português, se permitiria ou não prolongar o conflito e por essa via também o regime, que apenas admitia conceder alguma autonomia progressista nas colónias e nunca dialogar com os movimentos independentistas. Mas como escrevemos, ficámos convencidos que o Movimento dos Capitães era imparável.

P-O dia 25 de Abril foi, nas vossas palavras, “um golpe fulminante»: a que factores se deve esta rapidez com que se desmoronou um regime com 48 anos?
R-Foi fulminante no sentido que em poucas horas se derrubou um regime de quase meio século. O regime cai porque já não tem quem o defenda. Os militares começaram por se organizar num movimento corporativo, mas evoluíram para uma posição em que passaram a exigir o fim da guerra e pela abertura do país a uma democracia.

P-O 25 de Abril e o PREC ainda hoje alimentam fortes polémicas e visões muitos distintas. Do vosso ponto de vista, quase 50 anos depois, já é possível uma verdadeira análise histórica sem distorções de origem ideológica?
R-Penso que já começa a ser possível fazer uma análise mais ‘fria’ dos acontecimentos.  As novas gerações de historiadores já nasceram em democracia e começam a escrever uma história mais factual e menos ideológica ou extremada.
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José Matos/Zélia Oliveira
Rumo à Revolução. Os Meses Finais do Estado Novo
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